Reformas tentam tirar do papel o slogan vitorioso da campanha presidencial ‘mais Brasil, menos Brasília’
O Congresso mais reformista da história, como disse o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, tem pela frente a tarefa de aprovar a mais abrangente das reformas, que mexe na estrutura de um Estado patrimonialista e elitista.
Assim como a reforma da Previdência tocou, embora ainda não tão profundamente quanto requerido, na desigualdade dos benefícios dos servidores públicos em contraste com os do regime geral (INSS). O mesmo espírito de criar um sistema previdenciário sustentável no longo prazo, e mais equânime, rege as reformas apresentadas ontem pelo presidente Bolsonaro, que as levou pessoalmente ao Congresso, realçando sua importância.
Politicamente delicadas, pois mudam critérios legais guiados por interesses políticos, como a criação de municípios, as reformas da equipe econômica de Paulo Guedes tentam tirar do papel o slogan vitorioso da campanha presidencial “mais Brasil, menos Brasília”.
Para isso, é preciso criar estruturas novas que sejam sustentáveis. O novo pacto federativo propõe mais dinheiro para estados e municípios, mas também faz exigências maiores para a gestão desses entes federativos. A previsão é que até R$ 500 bilhões possam ser transferidos nos próximos 25 anos com as novas regras de divisão de recursos do petróleo, podendo até 70% dos royalties da exploração do petróleo e do gás serem transferidos para estados e municípios, que ficarão ainda com a totalidade do salário-educação.
Os entes poderão definir o que será feito com esses novos recursos, e aí é que mora o perigo. Até 1.200 pequenos municípios, cerca de 20% do total dos municípios do país, com cerca de cinco mil habitantes, deverão desaparecer na transição para, a partir de 2025, só ficarmos com municípios que provem arrecadar, em impostos, ao menos 10% de suas receitas totais.
Caso esse limite não seja alcançado, serão incorporadas por cidades maiores. Há estudos, como um da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan), que mostram que um em cada três municípios não gera receita suficiente para sustentar prefeitura e Câmara. Não deveriam ter sido criados, e o foram meramente por questões eleitorais.
A maioria vive do Fundo de Participação de Estados e Municípios, e poderia se beneficiar da nova regra de distribuição dos royalties do petróleo também proposta nas reformas. Mas a intenção é justamente fazer com que estados e municípios sejam sustentáveis, sem depender exclusivamente do Tesouro da União.
Uma consequência saudável desse novo modelo é criar uma estrutura burocrática menos dispendiosa, unindo até três cidades para a formação de um município que arrecade um mínimo para seu sustento, extinguindo em compensação cargos de prefeito, vice-prefeito e Câmara de vereadores desnecessários.
A política de equilíbrio fiscal está na base de várias mudanças propostas, havendo a previsão de gatilhos para quando estiver em perigo esse objetivo, chegando ao ponto de poder ser desencadeado o que o ministro Paulo Guedes classificou de “shutdown à brasileira”, que seria a permissão para o governo central reduzir o salário dos funcionários públicos, com redução compatível da jornada de trabalho.
Nos Estados Unidos, essa decisão é drástica, com os funcionários públicos não recebendo salários nesses momentos de crise. Aqui, o governo pagará até 25% dos salários. A equipe econômica considera que vários aspectos da Lei de Responsabilidade Fiscal foram aperfeiçoados nessas propostas, e a criação de um Conselho Fiscal da República é uma delas.
Está prevista na LRF um controle dos gastos do Executivo, mas esse artigo nunca foi regulamentado. O novo Conselho, formado pelos presidentes da República, da Câmara, do Senado, do Supremo Tribunal Federal, governadores, prefeitos e o Tribunal de Contas da União, se reuniria periodicamente para analisar a situação das contas públicas.
É um passo econômico importante que tem grande alcance político, revigorando a Federação. Por isso mesmo, será de difícil aprovação, especialmente num ano de eleições municipais como 2020. Se governadores e prefeitos se unissem para colocar estados e municípios no acordo da nova Previdência, seria um primeiro movimento em direção à sustentabilidade de nosso sistema federativo.