Luiz Carlos Azedo: O tempo morto

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O recesso esconde movimentações subatômicas, nas quais as redes de apoio dos parlamentares se deslocam. Nas crises políticas, a volta do funcionamento do Congresso é imprevisível

Pela segunda vez, a Câmara adiou a leitura em plenário do parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que rejeita a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer. Era uma exigência para que o relatório entrasse na pauta de votação da Câmara no dia 2 de agosto, imediatamente após o recesso. Dos 513 deputados, somente 13 apareceram no plenário, quando seriam necessários 51 deputados presentes para abrir a sessão.

Já há articulações na Casa para empurrar a decisão pra setembro, com objetivo de aguardar uma nova denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da República. Mas o governo também joga com o chamado “tempo morto”, na premissa de que o adiamento serve para articular melhor a base. Em tese, a correlação de forças hoje é mais favorável ao governo; uma nova denúncia, porém, pode mudá-la.

Com o Congresso, o Judiciário e o Ministério Público em recesso, é até irônico falar em “tempo morto”, porque Temer está mais ou menos como o gato de Schrödinger, nome de um famoso experimento da física quântica. Em contraste com a teoria da relatividade de Albert Einstein, que explica o que é muito grande no universo, a física quântica explica o mundo subatômico, no qual as leis do mundo normal não se aplicam.

Os físicos comparam o mundo quântico a uma terra sem lei, governada pela improbabilidade. Para demonstrar essa imprevisibilidade, em 1935, o físico Erwin Schrödinger resolveu fazer um experimento totalmente hipotético, que consistiu em colocar um gato dentro de uma caixa selada com uma amostra radioativa, um contator Geiger e uma garrafa de veneno. Se o contador Geiger detectasse que o material radioativo tinha decaído, ele liberaria o veneno e o gato seria morto.

Seu objetivo era demonstrar falhas da “interpretação de Copenhague”, para a qual uma partícula existe em todos os estados ao mesmo tempo até ser observada. Se a interpretação de Copenhague sugere que o material radioativo pode decair e não decair no ambiente fechado, supõe-se que o gato está vivo e morto ao mesmo tempo, até que a caixa seja aberta. Schrödinger usou isso para destacar os limites da interpretação de Copenhague quando aplicada a situações práticas. Na verdade, o gato estará vivo ou morto, não importa se foi ou não observado. Schrödinger dizia que era ingenuidade aceitar um “modelo turvo” para representar a realidade.

É mais ou menos essa a situação de Michel Temer durante o recesso, porque nada acontecerá no Congresso e na Lava-Jato, não importam as especulações. Haverá, sim, uma batalha esquizofrênica na base do governo, na qual uma parcela trabalha para que Temer seja afastado e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), assuma o poder na volta do recesso; e um jogo de faz de conta de parte da oposição, principalmente do PT, que prefere Temer sangrando no cargo, daí a orientação para que sindicatos e movimentos sociais sob sua influência sepultem o “Fora, Temer!”.

Reformas

Nesse lusco-fusco, Temer tem a seu favor um conjunto de reformas aprovadas em tempo recorde, por um dos governos mais impopulares da história republicana: ensino, teto de gastos, terceirização e trabalhista. Na agulha, estão as reformas tributária e da Previdência. Como o ex-presidente Collor de Mello, que deixou como legado a abertura da economia à globalização, Temer passará à história como um protagonista da modernização da economia, para adequá-la à chamada quarta revolução industrial.É muito economicismo, porém, achar que isso basta para garantir sua permanência no cargo, como não bastou para Collor. Para o mercado, a política monetária está blindada no Congresso com a presença de Henrique Meirelles à frente do Ministério da Fazenda. Mesmo com o teto de gastos, o deficit fiscal continua grande e a reforma da Previdência de Temer será mitigada para ser aprovada. O custo de lealdade na base governista também é muito alto.

Como na física quântica, o recesso esconde movimentações subatômicas, nas quais as redes de apoio dos parlamentares se deslocam. Nas crises políticas, quando o recesso acaba, a volta do funcionamento do Congresso é imprevisível. É como se um filme congelado voltasse a rodar com o roteiro completamente modificado. O que vai determinar a permanência de Temer no poder ou não é a centralidade da política, isso é, o posicionamento de seus atores em relação às eleições de 2018.

 

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