Luiz Carlos Azedo: A ordem intersubjetiva

13/07/2017- São Paulo- SP, Brasil- Ex-presidente Lula dá entrevista coletiva na sede do PT Nacional, em São Paulo.
Foto: Ricardo Stuckert
13/07/2017- São Paulo- SP, Brasil- Ex-presidente Lula dá entrevista coletiva na sede do PT Nacional, em São Paulo. Foto: Ricardo Stuckert

Somente uma organização tem condições de abalar a Lava-Jato: o próprio Judiciário. Esse é o centro da disputa política em curso

A democracia é uma ordem intersubjetiva. Além dos aspectos físicos e materiais que caracterizam as instituições, como a espetacular arquitetura da Praça dos Três Poderes, e da consciência individual de cada eleitor, ela só existe porque uma vasta rede de comunicação tece os elos entre o caráter objetivo das decisões políticas e a crença de cada indivíduo quanto à importância dessas decisões para suas vidas. Ou seja, a crença de que a democracia é um valor a ser preservado pela sociedade.
Uma das características da crise ética que estamos vivendo é uma espécie de desconexão dessa rede. As instituições políticas como sistema de poder começam a reagir à crise, tendo como prioridade a própria sobrevivência, sem considerar o fato de que, ao fazê-lo, não podem romper os elos subjetivos com a sociedade que fazem da democracia a tal ordem intersubjetiva.

No livro Sapiens, uma breve história da humanidade, Yuval Noah Harari, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, mostra que leis, dinheiro, deuses e nações são forças intersubjetivas, cuja existência é assegurada porque muitos indivíduos nelas acreditam e contra as quais a desconfiança ou descrença de alguns nada representam. Chegamos ao ponto que nos interessa aqui.

A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, e a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, estão na esfera desses fenômenos intersubjetivos. Por mais carismático que seja o primeiro ou por mais poderoso que seja o segundo, as declarações de ambos contra a sentença do magistrado e a peça de acusação do procurador nada representam do ponto de vista da ordem jurídica. São apenas o jus esperneandi. Mas tudo pode mudar de figura se essa interpretação rompe a rede compartilhada por milhões de cidadãos.

Sustentação

Nem Lula nem Temer têm condições de atingir esse objetivo sozinhos: seria preciso mudar a consciência de milhões de pessoas. Isso somente seria possível se a ordem imaginada pelas pessoas — nesse caso, a Operação Lava-Jato — fosse desmoralizada. Houve muitas tentativas até agora nesse sentido, nenhuma das quais teve êxito. Em tese, isso seria possível com a ajuda de uma organização complexa, como são os partidos políticos e os movimentos ideológicos.

Tanto o PMDB de Temer, quanto o PT de Lula não estão em condições de exercer esse papel, uma vez que perderam em muito a força que tinham como organizações, digamos, intersubjetivas. Somente uma organização tem condições de abalar a Lava-Jato: o próprio Judiciário. Esse é o centro da disputa política em curso. Quem quiser, que pague para ver. Para salvar o mandato de Temer, basta blindá-lo com o apoio de 172 deputados no plenário da Câmara; o mesmo apoio que a ex-presidente Dilma Rousseff não conseguiu reunir para barrar o impeachment.

Para evitar a prisão de Lula, porém, é preciso mais do que isso: domar a Polícia Federal, refrear o ímpeto dos procuradores, conter Moro e outros juízes de primeira instância, ter a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lava-Jato.

Em ambos os casos, o grande problema é a disjuntiva entre as instituições da ordem democrática e a rede intersubjetiva que lhes dá sustentação na sociedade.

* Luiz Carlos Azedo é jornalista

Nas entrelinhas: A ordem intersubjetiva

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