Orçamento da União está cada vez mais engessado
Caminhando em direção contrária à política dos “três Ds” formulada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, os deputados e senadores acabam de tornar ainda mais difícil a execução do Orçamento da União pelo governo. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2020, aprovado ontem pelo Congresso Nacional, ampliou de 63 para 88 o número de ações e programas que não podem sofrer contingenciamento em suas dotações.
Os parlamentares fizeram dois movimentos nesta área. Eles excluíram do contingenciamento as despesas com todas as ações vinculadas à função Educação. Ou seja, não serão apenas as dotações do Ministério da Educação que estarão preservadas em 2020, mas todas as numerosas ações na área educacional realizadas por vários ministérios.
A proibição da LDO ocorre depois das fortes reações populares contra o contingenciamento realizado neste ano no Ministério da Educação, que teve suas dotações reduzidas, inicialmente, em R$ 5,8 bilhões. Posteriormente, as verbas foram parcialmente repostas. No fim do mês passado, o governo anunciou o desbloqueio de R$ 1,99 bilhão para o ministério.
Também não serão atingidas pela tesoura do corte, de acordo com a LDO, as verbas destinadas às ações para desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. O Ministério da Ciência e Tecnologia foi um dos mais atingidos pelo contingenciamento neste ano, quando teve suas dotações reduzidas em 42%. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC) teve mais de 80% de seus recursos reduzidos. A LDO proíbe que o mesmo ocorra em 2020.
As pesquisas têm mostrado que a segurança é uma das principais preocupações da população. Talvez em decorrência disso, os parlamentares excluíram dos cortes as dotações destinadas à segurança pública, entendidas as verbas para as polícias federal, rodoviária federal e ferroviária federal e aos órgãos pertencentes ao Plano Nacional de Segurança Pública.
O presidente Jair Bolsonaro poderá vetar a proibição da LDO de contingenciar as dotações das áreas de educação, ciência e tecnologia e segurança pública, mas abrirá, certamente, um debate político em ano eleitoral que os seus aliados provavelmente não estarão dispostos a enfrentar. Por isso, o risco que o presidente corre é ter o seu eventual veto a esta proposta da LDO derrubado pelo plenário do Congresso Nacional.
Em outro movimento, os parlamentares incluíram, pela primeira vez, quase todos os investimentos a serem realizados pelas Forças Armadas na relação de despesas ressalvadas do contingenciamento. Com a LDO em vigor, o governo não poderá cortar, por exemplo, as dotações destinadas à aquisição de aeronaves de caça e sistemas afins, o programa de desenvolvimento de submarinos (Prosub) e o programa nuclear da Marinha (PNM). Até as dotações para a aquisição do blindado Guarani pelo Exército e as verbas para o desenvolvimento do cargueiro tático militar KC-X não poderão sofrer contingenciamento.
Em 2020, a União está proibida de cortar as dotações incluídas no Orçamento para aumento de capital de empresas estatais não dependentes, como a Eletrobras.
Com as mudanças feitas pela LDO, a execução orçamentária ficou mais difícil porque, se houver frustração da receita prevista no Orçamento de 2020 e o governo for obrigado a contingenciar as despesas para cumprir a meta fiscal do ano, não poderá cortar as dotações de mais 15 ações e programas, que passaram a ser classificados como “despesas ressalvadas do contingenciamento”. O universo das despesas passível de corte foi bastante reduzido, dificultando a vida do ministro Guedes e de sua equipe.
O ministro da Economia tem defendido a política dos “3Ds”, ou seja, uma diretriz que prevê desvincular as dotações orçamentárias, desindexar da inflação os benefícios concedidos pelo Estado e desobrigar o governo a realizar gastos. As últimas decisões do Congresso vão em sentido contrário.
Em junho, os parlamentares aprovaram a emenda constitucional 100, que torna um dever da administração executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade.
Como o texto ficou confuso, dando margem à interpretação de que o governo teria que executar o Orçamento aprovado mesmo sacrificando a meta fiscal do ano ou o limite fixado para a despesa, os senadores e deputados aprovaram, no fim de setembro, a emenda constitucional 102, que estabelece que o dever da administração é de executar apenas as despesas primárias discricionárias (investimentos e custeio da máquina pública).
Ora, se as despesas discricionárias passaram a ser de execução obrigatória, todo o Orçamento será obrigatório. Pois além dos gastos discricionários, existem os obrigatórios, determinados por dispositivos constitucionais ou por legislações específicas. A emenda 102 determinou, no entanto, que as despesas discricionárias poderão ser contingenciadas para o cumprimento da meta fiscal do ano ou para o cumprimento do teto de gastos.
O país passará a viver, portanto, com nova realidade orçamentária. O Orçamento aprovado pelo Congresso terá, a partir do próximo ano, de ser executado como foi aprovado por deputados e senadores. A margem do Executivo para mudar as programações será muito menor do que no passado. A diferença em relação aos países mais desenvolvidos, no entanto, será que, no Brasil, o Orçamento é por demais engessado, com as despesas anuais sendo definidas não pelo Parlamento, mas por dispositivos constitucionais, por legislações específicas e por outros atos normativos.
O engessamento aumentará ainda mais em 2020, com a decisão dos parlamentares de elevar as despesas ressalvadas do contingenciamento.