‘O Mundo da Escrita’, de Martin Puchner, nos faz provar desde grandes clássicos até pratos exóticos
“O Mundo da Escrita”, de Martin Puchner, é um verdadeiro banquete para os apreciadores das letras. Puchner, que ensina literatura comparada em Harvard, nos faz provar desde os grandes clássicos, como “Gilgamesh”, Homero, a Bíblia, “Dom Quixote” e Goethe, até pratos mais exóticos, como o “Romance de Genji”, escrito por volta do ano 1.000 por uma mulher da corte japonesa, o “Popol Vuh”, o grande livro da cultura maia, ou as tradições orais africanas em torno da epopeia de Sundiata.
Se formos rigorosos, dá para dizer que Puchner rouba um pouco em relação ao que promete no subtítulo do livro —“Como a Literatura Transformou a Civilização”—, já que não fala só de obras mas também de tecnologias, como a evolução dos sistemas de escrita, as primeiras prensas chinesas, os tipos móveis de Gutenberg, a popularização dos jornais e, é claro, dos formatos do livro. Registre-se que esses “desvios” resultam em benefício, e não prejuízo, para o leitor, de modo que não devemos ser muito severos com o autor.
A proposta central de Puchner é mostrar como as ideias contidas em sua seleção de textos fundacionais pautam as ações humanas e moldam a forma de pensar de grupos e a própria estrutura do mundo. Alexandre, o Grande, por exemplo, não andava sem seu exemplar da “Ilíada”, que o inspirou na criação de um império.
Puchner me parece especialmente feliz ao destacar o impacto que as grandes mudanças tecnológicas produziram. Um exemplo que conserva incômoda atualidade é o de como a invenção de Gutenberg, ao contribuir para a popularização da leitura, ajudou a criar o ambiente de polarização política cujo epítome é a Reforma de Lutero. O tom geral dos debates e a aspereza das palavras lembram polêmicas desta nossa era da internet. A boa notícia é que, em algum momento posterior, as pessoas se cansaram do radicalismo e voltaram a ser mais cordiais umas com as outras.