Bandeiras pessoais e partidárias minam política externa
Demorou quase um ano, mas finalmente começa a ganhar forma a diplomacia presidencial do governo Jair Bolsonaro.
Além de uma participação tímida no Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro, Bolsonaro fez uma aposta pessoal equivocada na mudança da embaixada brasileira em Israel. Apostou também em parcerias, em Israel e na Argentina, com líderes que enfrentam dificuldades para se manterem no poder. Isso sem falar no próprio presidente americano, Donald Trump.
O mais dramático ato de inauguração da nova persona internacional de Bolsonaro ocorreu na semana passada. O presidente debutou como orador na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, em um discurso anacrônico, abrindo as apostas de quanto a nova diplomacia presidencial poderá agregar – ou criar obstáculos – à política externa brasileira.
O mais provável é que uma resposta mais objetiva surja apenas depois das próximas viagens internacionais de Bolsonaro. Até o fim do ano, ele desembarcará no Japão, na China, na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes e no Catar. Em território nacional, poderá demonstrar sua desenvoltura e capacidade de construção de entendimentos como o anfitrião da próxima cúpula do Brics. O encontro dos líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul está previsto para ocorrer em meados de novembro, em Brasília.
Na sua estreia como orador na ONU, Bolsonaro desvelou o “novo Brasil” que se apresenta como antiglobalista, mas ao mesmo tempo diz estar mais aberto a investidores e turistas estrangeiros. Um país que bate de frente com parceiros europeus, porém, pelo menos por enquanto, faz questão de parecer animadíssimo com o acordo fechado entre o Mercosul e a União Europeia. Um país que critica iniciativas da ONU e ressente-se da perda de espaço em suas instâncias e colegiados.
Mais uma prova de que, no Brasil, a diplomacia presidencial é errática.
Depois de eleito, em 1985, Tancredo Neves realizou um périplo por Portugal, Espanha, Itália, Vaticano, França, Estados Unidos, México, Peru e Argentina. Apresentou ao mundo uma nova face democrática do Brasil, oferecendo também um aperitivo de uma política externa que não viria a se concretizar. Excluído desse planejamento e diante de inúmeros desafios após tomar posse, o ex-presidente José Sarney acabou privilegiando o Cone Sul, conquistando resultados concretos no processo de integração regional.
As diplomacias presidenciais de Fernando Collor e Itamar Franco também foram tolhidas por crises domésticas. Em suas viagens internacionais, Collor chegou a replicar os lances de marketing político que chegaram a marcar suas aparições públicas dentro do país. O ex-presidente levou ao exterior uma mensagem de abertura e modernização da economia, mas o processo de impeachment que enfrentou demonstrou ao mundo como o Brasil ainda não se tornara um local tão amigável quanto o descrito nos discursos.
Compelido a atuar para resolver essa nova crise, Itamar Franco foi contido em sua diplomacia presidencial. Concentrou esforços no continente e, segundo registros da chancelaria, chegou a causar constrangimento ao cancelar visitas a Portugal, China e Índia.
Com Fernando Henrique Cardoso, a diplomacia presidencial alcançou novo patamar. O ex-presidente assumiu diante de grande déficit na inserção do Brasil no mundo e de uma considerável ausência da figura do presidente brasileiro nos principais palcos das relações internacionais.
Com a estabilização resultante do Plano Real e o perfil cosmopolita do próprio presidente, o Brasil conseguiu vender seu novo momento político e econômico. Já no seu primeiro ano de governo Fernando Henrique visitou diversos países.
No entanto, coube ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva multiplicar para valer o número de viagens internacionais, a ponto de o nome do avião presidencial virar chacota. Com um estilo pessoal incomparável, Lula se aproveitou da curiosidade crescente pelo Brasil e do peso que o país ganhava na economia global para intensificar os esforços por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Além disso, inseriu pessoalmente o Brasil nas até então distantes discussões sobre o Oriente Médio e o acordo nuclear do Irã.
A diversificação de suas visitas para países africanos, caribenhos e árabes deram frutos também à sua sucessora, que não tinha a diplomacia presidencial entre seus assuntos preferidos. Mesmo assim, a ex-presidente Dilma Rousseff manteve uma agenda internacional capaz de eleger brasileiros para órgãos multilaterais estratégicos, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), e intensificar as relações com os países do Brics.
A posse do ex-presidente Michel Temer coincidiu com um novo refluxo da diplomacia presidencial, provocado novamente tanto pela retração da economia quanto pela crise política interna que resultou no impeachment de Dilma.
Temer pouco saiu do país e também poucos visitantes recebeu no Palácio do Planalto. O mesmo se observa, pelo menos até agora, em relação ao escasso interesse de mandatários estrangeiros em obter as honras de Estado do atual presidente na capital federal.
A história contemporânea do Brasil revela o potencial e os limites da diplomacia presidencial, aquela conduzida direta e pessoalmente pelo chefe de Estado. Esse é um instrumento essencial para a projeção internacional do Brasil no exterior e a consolidação de sua liderança na região, mas que não depende apenas da personalidade do presidente da República. A situação interna do país e a conjuntura internacional são fatores determinantes para seu sucesso.
Em seu próximo giro internacional, Bolsonaro terá a chance de tentar construir relações sólidas e baseadas na confiança interpessoal com parceiros estratégicos. Será positivo, também, se decidir separar as bandeiras ideológicas de seu grupo político da agenda internacional da Presidência. Lula não o fez.
O presidente tem tempo suficiente para repetir os acertos de seus antecessores, mas sobretudo tentar evitar os mesmos erros.