Míriam Leitão: Notícias da terra e da luta amazônica

Na ausência do setor público, indígenas se organizam para defender a floresta amazônica de grileiros e madeireiros.
Foto: El País
Foto: El País

Na ausência do setor público, indígenas se organizam para defender a floresta amazônica de grileiros e madeireiros

No dia em que o mundo parou para pedir por ações contra o clima, inúmeras batalhas continuaram sendo travadas em cada canto das florestas brasileiras. Falarei de uma ocorrida esta semana. Um grupo de oito homens se move no meio da noite de segunda para terça-feira para sair com três caminhões carregados de madeira tirada na Terra Arariboia, no Maranhão. Uma moto os acompanha. Estão bem perto da aldeia Três Passagens. Do meio do mato surgem indígenas guajajara que integram o grupo Guardiões da Floresta. Os madeireiros atiram em direção aos indígenas, e eles revidam com arco e flecha e espingardas. Ninguém se fere, felizmente, e os madeireiros fogem.

Essas escaramuças acontecem em várias partes da Amazônia. O que há de comum em todos os eventos é a ausência do setor público. Ibama, Funai, Polícia Militar, Polícia Federal, todos os órgãos que poderiam se envolver para dar uma resposta a essa ação contínua, e cada vez mais agressiva, de tirar madeira da floresta ilegalmente estão ausentes. Em algumas tribos, os índios se organizaram em grupos de monitoramento da floresta e frequentemente se deparam com madeireiros. Naquela noite, lá na Terra Indígena (TI) Arariboia, os indígenas decidiram queimar os caminhões e a moto depois que os madeireiros foram embora. Eles sabem que adianta pouco avisar à polícia. No dia seguinte, os madeireiros voltaram e filmaram o que restou dos caminhões para circular nos grupos de WhatsApp da cidade de Amarante. Assim vai se alimentando o conflito.

Ontem mesmo, no dia em que milhões paravam no mundo pelo clima e pelo meio ambiente, um cacique Ka’apor, que está na TI Alto Turiaçu, também no Maranhão, pede socorro por WhatsApp para Antonio Wilson Guajajara, que é um dos guardiões da floresta e que está na Terra Caru. Avisa que perto do município de Zé Doca — o nome da cidade foi dado em homenagem a um grileiro — dentro da terra indígena foi localizado um acampamento de madeireiro.

As terras Caru, Awá e Alto Turiaçu são contíguas e ao lado da Reserva Biológica Gurupi, no Maranhão. A TI Arariboia fica mais ao sul, é cercada de inúmeros povoados e nela vivem 14 mil guajajara e alguns awá guajá isolados. Os awá guajá que vivem na Terra Caru, onde fiz reportagem em 2012, são definidos como de recente contato, mas existem integrantes dessa etnia que fogem de qualquer contato. São os isolados.

Nessas terras indígenas do Maranhão, os índios organizaram o grupo Guardiões da Floresta desde 2012.

— A gente trabalha nessas quatro terras e também na do Rio Pindaré fazendo vigilância e passando informações para as autoridades. Além disso, as mulheres das aldeias fazem trabalho educativo nos povoados, em palestras e conversas de conscientização. São as guerreiras da floresta. Nunca houve um ato de violência, nenhuma morte felizmente — disse Antonio Wilson Guajajara.

Ontem no Alto Turiaçu, os indíos ka’apor fazendo a limpeza do limite da terra encontraram um grupo grande de invasores, e foi por isso que um líder pediu ajuda a Antonio Wilson que estava na terra Caru.

— Eu sei que é um momento delicado, mas vou assim mesmo. Não podemos recuar. Quero dialogar. Se a gente tivesse mais apoio seria melhor — disse o líder Guajajara.

A Terra Indígena Arariboia enfrentou em 2015/2016 um enorme incêndio que destruiu metade dos seus 412 mil hectares. Na época, foi possível ver os isolados se deslocando. Eles estão ficando cada vez mais expostos. E vulneráveis.

Carlos Travassos que foi chefe do setor de índios isolados da Funai conta que a TI Arariboia está sendo assediada por dois tipos de demanda. A de madeira de lei, que ataca o centro da terra onde estão os isolados, e a de madeira para fazer estacas para cercas das inúmeras fazendas da região.

— O primeiro é um mercado que está atrás de ipê, maçaranduba, sapucaia, copaiba, cumaru, tatajuba e os últimos cedros. O outro mercado é gigantesco porque tem um mundo de fazenda perto da TI. É pulverizado, porque um fazendeiro entra na terra, tira as madeiras e redistribui para outros. Os guardiões estão ativos, mas eles estão sozinhos. E as invasões estão atingindo em cheio os últimos locais das grandes árvores onde estão os awá guajá isolados — explica Carlos Travassos.

Assim, os índios por sua conta vão tentando defender a si mesmos e a floresta.

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