Um semana após bloquear a BR-163 no Pará, grupo que atua ilegalmente em floresta nacional é recebido por ministros. Em meio à crise na região, eles pressionam o Governo a proibir que o Ibama queime máquinas durante fiscalização
Representantes de garimpeiros, que atuam em exploração ilegal em áreas da floresta nacional do Crepori, no Pará, receberam um inédito respaldo do Governo Federal, ao se reunir com várias autoridades do primeiro escalão do Planalto. Entre elas estavam o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O grupo conseguiu o encontro em Brasília, realizado nesta segunda-feira, 16 de setembro, após bloquear, na semana passada, trecho paraense da rodovia BR-163. Protestavam contra a atuação de fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), do Instituto Chico Mendes (ICMbio) e agentes da Força Nacional. A ação dos fiscais, feita uma semana antes do bloqueio, terminou com a queima de retroescavadeiras e maquinários usados pelos invasores, uma prerrogativa legal que os agentes possuem. Os garimpeiros agora pressionam Salles para rever essa lei e punir os servidores.
“Nós precisamos, com urgência, no prazo de uma semana, apresentar ações que foram feitas de forma truculenta e arbitrária onde destruíram maquinários fora da lei. O ministro [Ricardo Salles] exigiu na mão para abrir sindicância contra os agentes [do IBAMA]”, diz um homem em áudio de WhatsApp ao qual o EL PAÍS teve acesso. Identificado como Fernando Brandão, ele enviou a mensagem em um grupo do aplicativo usado pelos garimpeiros depois de ter sido recebido em Brasília junto com outros representantes.
A reunião com os garimpeiros foi confirmada pela a própria Casa Civil em nota publicada na segunda-feira, apesar de o encontro não constar na agenda oficial da pasta. Lorenzoni assegurou que a gestão Jair Bolsonaro (PSL) se compromete a buscar “uma solução estruturante e de longo prazo para as demandas trazidas pelos garimpeiros”, afirma a nota, que ainda destaca uma frase do próprio ministro em que fala do respeito “ao setor produtivo” por parte do Governo: “Em duas semanas nos reuniremos novamente e apresentaremos nossas propostas de soluções para a questão da regularização fundiária e a exploração mineral em terras indígenas”. A Casa Civil voltará a se reunir com os representantes no dia 2 de outubro.
A quantidade de autoridades que participaram dão o peso do encontro. Além de Salles e Lorenzoni, estiveram presentes os ministros da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos; da Secretaria Geral da Presidência, Jorge Oliveira; e do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. Compareceram também o advogado-geral da União, André Mendonça, secretários das pastas de Minas e Energia, Infraestrutura e Agricultura, além dos presidentes do IBAMA, do INCRA e da FUNAI, parlamentares da região e o secretário da Casa Civil do Governo do Pará. “Outras pessoas que acompanham o assunto disseram que nunca houve tanto ministro para atender a gente numa reunião dessa”, celebrava outro garimpeiros em áudio distribuído num grupo de WhatsApp. “Foi um feito muito grande o que nós fizemos com essa paralisação. Todos estão de parabéns”.
O EL PAÍS enviou nesta terça-feira uma série de perguntas para os Ministérios da Casa Civil, do Meio Ambiente, de Minas e Energia, além do IBAMA. Até o fechamento desta edição somente Minas e Energia respondeu o e-mail, limitando-se a dizer que o titular da pasta, Bento Albuquerque, está em Viena em compromisso oficial. Também indicou que qualquer reunião de seus secretários deveria ser consultada na agenda oficial.
Aposta pelo garimpo em área protegida
Desde que o aumento do desmatamento e dos incêndios na Amazônia desatou uma crise nacional e internacional para o Governo Bolsonaro, especialistas e ambientalistas vêm alertando que a retórica do presidente vem encorajando a ação de grileiros e garimpeiros. O mandatário ultradireitista ganhou as eleições prometendo acabar com “a farra das multas do IBAMA” e legalizar atividades econômicas em terras indígenas e reservas ambientais. A gestão do ministro Salles vem se destacando pelo estrangulamento financeiro dos órgãos de fiscalização e críticas às políticas da pasta. No dia 21 de julho, em uma de suas várias manifestações sobre o tema, o presidente Bolsonaro prometeu que sua administração iria propor projetos para legalizar garimpos.
No grupo de WhatsApp, os garimpeiros discutem as promessas. “Marcaram uma nova audiência para o dia 2 [de outubro]. Até lá eles vão rever a lei sobre as queimadas de máquinas e sobre as APAS [Áreas de Proteção Ambiental], FLONAS [Florestas Nacionais] e reservas indígenas”, disse outro garimpeiro num áudio obtido pelo EL PAÍS. “Até o dia 2 nós estamos calçados, entendeu? Não sei ainda se eles falaram alguma coisa de que não vão fazer nada até lá, mas é praticamente isso que foi acordado”, acrescentou.
“Neste ano aumentou a pressão em áreas protegidas, porque estamos num momento deliberado em que o Governo dá sinais de que tolera esse tipo de coisa em unidades de conservação e terras indígenas”, afirmou ao EL PAÍS o engenheiro Tasso Azevedo, coordenador da MapBiomas, ONG que trabalha com imagens de satélites detalhadas para identificar quais áreas foram desmatadas. “Desmatamento é função direta da expectativa de impunidade. Porque desmatar custa caro, não é barato. Dar o sinal de que vai legalizar invasões em áreas protegidas ao mesmo tempo que desmantela o IBAMA é a mesma coisa que dizer ‘pode ir lá”, acrescentou, em entrevista ao jornal na semana passada.
Enquanto convocavam a manifestação na BR-163, na semana passada, garimpeiros falavam entre si sobre as promessas de legalizar garimpos feitas pelo presidente, segundo áudios de WhatsApp obtidos pelo jornal Folha de S. Paulo. “Cadê você, Bolsonaro, que ia fazer alguma coisa e não era para botar fogo. Por que não levaram preso, para doar para alguma instituição. Essa é a ordem do nosso presidente, que nós votamos nele. Olha aí”, reclamou um garimpeiro em um dos áudios. Um colega chegou a sugerir que fiscais do IBAMA fossem presos dentro da floresta nacional durante a operação na semana anterior, que resultou na queima das máquinas usadas para devastar a floresta. “Bicho, eu acho que tinha que trancar essa saída dessas camionetes aí. E chamar a população e não deixar esses ‘fdp’ sair daí de dentro. Rapaz, isso aí não tem ordem do Governo para fazer isso aí, não. […] O Governo é a favor da garimpagem, pô. Isso está fora da lei. Tem que prender esses vagabundos aí. A população da Moraes [de Almeida, vila de Itaituba], os garimpeiros da Moraes, tem quantos mil garimpeiros na Moraes? Um prejuízo desse aí. Junta todo mundo e tranca eles aí”.
Em resposta aos protestos, Lorenzoni gravou um vídeo em que confirmava a reunião que aconteceu nesta segunda-feira e pedia para que os garimpeiros desbloqueassem a estrada. A BR-163 dá acesso a municípios como Novo Progresso, Itaituba e Trairão, que ficam nos arredores de importantes reservas ambientais. Um deles é o Parque Nacional do Jamanxim, um dos que mais sofrem com a desmatamento no país.
Para cumprir a promessa e liberar a mineração em territórios indígenas, Bolsonaro terá que propor a regulamentação de um artigo da Constituição que diz ser “necessária lei ordinária que fixe as condições específicas para exploração mineral e de recursos hídricos” nesses territórios. Como não foi regulamentado desde 1988, ano da promulgação da Carta Magna, a atividade permanece ilegal. A Carta também determina que “apenas os índios podem usufruir das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existente“, além de deixar claro que “o aproveitamento dos seus recursos hídricos, aí incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, só pode ser efetivado com a autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra“.
Pesquisa da consultoria Atlas Político divulgada pelo EL PAÍS mostrou que mais de 80% dos brasileiros se posicionam contra o garimpo e o desmatamento nas reservas ambientais e indígenas ou defendem a prisão dos grileiros que venham a ser responsabilizados pelos incêndios. Além disso, 67% concordam que a Amazônia vive uma crise ambiental. Mostraram-se divididos, porém, com relação ao papel do Governo Bolsonaro: 45,8% acreditam que o presidente é responsável pelo aumento do desmatamento, enquanto 47,5% discordam.
Entre 1º de junho e 7 de setembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) alertou para o desmatamento de 12.269 quilômetros da Amazônia brasileira. Os municípios paraenses de Altamira, São Félix do Xingu e Novo Progresso estão em primeiro, segundo e quinto lugar, respectivamente, no ranking dos municípios com mais desflorestamento. Além disso, somente em agosto foram detectados 39.177 focos de queimadas na Amazônia brasileira, sendo 10.185 no Pará. No mesmo mês de 2018 o INPE registrou 15.001 incêndios na selva amazônica, dos quais 2.782 ocorreram no Pará. A disparada é mais que evidente. O Pará vem liderando durante os últimos 13 anos o desmatamento na Amazônia, segundo os dados anuais do INPE.