Como diz o Médici, esfrie a cabeça, a Viúva de Caxias nos paga para aturar sacripantas e engolir sapos
Capitão,
O senhor pode detestar o Emmanuel Macron, mas seus sentimentos em relação a ele são suaves se comparados à malquerença que eu tinha pelo presidente americano Jimmy Carter. Ele assumiu em 1977 e eu sabia que teríamos encrenca.
No telegrama de felicitações que o Itamaraty redigiu para sua posse, puseram que ele assumiria um “honroso encargo”. Mandei cortar o “honroso”.
Quando ele se meteu nos nossos assuntos com um relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, denunciei o acordo militar que tínhamos com os Estados Unidos. Os diplomatas americanos paparicavam políticos oposicionistas e ele chegou ao ponto de dar asilo ao Leonel Brizola, que havia sido expulso do Uruguai.
O que me envenenou foi o Carter mandar a mulher dele ao Brasil para uma espécie de viagem de inspeção. A dona Rosalynn tinha um caderno de notas e sentava-se comigo fazendo perguntas.
Num jantar do Alvorada ela foi impertinente e a conversa ia azedando, a ponto da mulher do embaixador ter feito um sinal para que as duas fossem ao banheiro. Que direito ele tinha de mandá-la tratar comigo? Ela não havia sido eleita coisa alguma.
Eu nunca disse uma palavra sobre Jimmy Carter, nem deixei que meus ministros falassem mal dele em público. Se nós não fazemos isso, os bajuladores radicalizam as posições para nos agradar.
O senhor deve saber que alguns ministros gostam de papaguear o que ouvem dos presidentes, mesmo quando dizemos bobagens.
Papagueiam, são criticados e acreditam que ganham prestígio conosco. Às vezes ganham, mas bobagens continuam sendo bobagens. Eu, por exemplo, proibi um programa de televisão com um vídeo do balé Bolshoi. Os papagaios justificavam a decisão com argumentos malucos.
Quando Carter visitou o Brasil oficialmente, recebi-o com toda cordialidade. Fizemos um programa austero, mas ele acabou armando um encontro com o cardeal Paulo Evaristo Arns, que eu considerava um sacripanta. Imagine que ele gostaria de vê-lo eleito papa.
A Viúva de Caxias nos paga salários para aturar situações horríveis. Lidar com o Carter foi uma delas, andar de carruagem em Londres com uma cartola apertando-me a cabeça foi outra.
Sei que o Carter me achou um velho militar, franco, frio e direto. Mesmo assim, disse que gostou de mim. Pois eu nunca gostei dele.
Anos depois, quando ambos havíamos deixado os governos, ele visitou o Brasil e manifestou o desejo de me ver. Não aceitei o encontro. Ele achou que poderia falar comigo por telefone e ligou para Teresópolis. Não o atendi. Pode-se achar que fui grosseiro, mas eu não estava mais na folha de pagamento da Viúva e podia fazer o que achasse melhor.
Outro dia almocei com dois barões. O Rio Branco me disse que não se defende soberania com bate-boca. Ele expandiu as nossas fronteiras, inclusive na Amazônia, sem discussões públicas. Estava também o barão de Penedo, que enfrentou os ingleses ao tempo em que eles queriam acabar com o nosso tráfico de escravos. Penedo não batia boca com os abolicionistas.
Repito-lhe o conselho que o presidente Médici deu aos oficiais que queriam me depor quando tirei o general Sylvio Frota do Ministério do Exército: “Põe água na cabeça. Põe água para esfriar a cabeça”.
Cordialmente,
Ernesto Geisel