A chancela, pela Polícia Federal, da licitude das provas contra o presidente da República será para este uma derrota e tanto. Aliás é intrigante que o Planalto deposite seguidamente as fichas em explicações que, sabe ele bem, cairão mais adiante. Não deixa de indicar certa falta de alternativas. E vem aí a denúncia -ou denúncias- da Procuradoria Geral da República, para revolver ainda mais o mar tempestuoso que balança o navio.
Mas é recomendável manter cautela sobre o efeito político imediato. A cada revés do governo, quando a poeira baixa, nota-se a ainda integridade, no essencial, da aliança que o sustenta. O núcleo dela: 1) o chamado centrão e a maioria da centro-direita; 2) o pedaço da imprensa que, afastado o PT, trocou a ética como valor universal pela ética da responsabilidade; e 3) o empresariado do agora ou nunca para as reformas.
Sem contar que o #ForaTemer da esquerda refluiu quando se tornou mais possível. Permanece a retórica, útil para animar plateias tão enraivecidas quanto desavisadas. E só. O PT e a esquerda não querem derrubar o governo. Preferem que ele apodreça, na esperança de a infecção contaminar as opções do centro para a direita em 2018. E o PT, por motivos óbvios, não apoia o Todo Poder à Lava-Jato.
Já o PSDB continua à espera do fato novo. Por definição, é o que ainda não aconteceu. Quando acontece, vira fato velho e dá lugar às preocupações com a governabilidade. Na atualização tucana do paradoxo de Zenon, Aquiles jamais alcançará a tartaruga. Sabe-se que qualquer Aquiles venceria um quelônio na vida real. Mas criações mentais, como a do fato novo, servem para ter uma história quando é preciso contar alguma.
A relativa rigidez da correlação de forças vem garantindo a estabilidade na instabilidade, e pode levar o barco temerista a ancorar no porto em 2018. Muito avariado, mas à superfície. Há ainda a peculiaridade de o ancoradouro não estar tão distante assim, somado ao fato de o exército adversário, a esquerda, ter escolhido o desfecho Dunquerque em vez do Stalingrado. É um risco, pois o resultado daquela guerra é conhecido.
Qual é a variável fora de controle? A possibilidade de um novo petardo afundar definitivamente a embarcação. Mas aí o bloco governista muito provavelmente se reagruparia em torno do presidente da Câmara dos Deputados, com o apoio tácito de uma parte da oposição. Bastaria para tanto que o novo presidente fosse um pouco para o centro. Por exemplo, ajustando as reformas para torná-las menos intragáveis aos atingidos.
É algo que está também ao alcance deste governo, se houver necessidade. Em caso, por exemplo, de um repentino e inesperado desembarque tucano. Na reforma trabalhista, pode garantir fontes de financiamento aos sindicatos e centrais. Aliás, é o que já está sendo negociado. E também pode lipoaspirar a reforma da previdência para permitir algum alívio, mesmo parcial. Não faltará apoio empresarial para esse ajuste no ajuste.
Em resumo, apesar do imenso desgaste de imagem e dos gravíssimos problemas jurídicos, o governo Temer ainda tem margem de manobra.
Voto nulo em 2018?
Discretamente, começa-se a debater no PT o que fazer se uma decisão judicial impedir, pela Lei da Ficha Limpa ou outro meio, a candidatura de Lula. Há a hipótese, natural, de um nome petista indicado pelo ex-presidente. Há a hipótese de o PT apoiar alguém de fora, surgido de uma articulação à esquerda. E há a hipótese de boicotar a eleição presidencial. Uma variante do voto nulo dos anos 60 e início dos 70 do século passado.
São todas escolhas complexas. Um nome novo petista precisaria ser construído ao longo do processo eleitoral. Seria um desafio. Alguém à esquerda teria a vantagem da novidade e de não carregar o passivo da Lava-Jato, mas afrontaria a tática clássica de Lula, de buscar o centro. E o boicote eleitoral seria um peso sobre os ombros dos candidatos do partido aos demais cargos em disputa, com efeitos difíceis de prever.
E há ainda a variável da luta pela hegemonia no campo dito progressista. Como se sabe, políticos até admitem perder eleições, mas não convivem bem com o risco de perder a liderança da própria tribo. Pois a liderança da tribo é o requisito para se manterem vivos para a próxima disputa do poder. Líderes aceitam melhor a derrota do que uma sombra dentro de casa.
Até a semana que vem, ou antes.
* Alon Feuerwerker, analista político FSB Comunicação
Fonte: http://www.alon.jor.br/