Constituição proíbe candidaturas de familiares de chefes do Executivo, salvo aqueles que tenham mandato e busquem reeleição. Inelegibilidade se estenderá até 2028 caso presidente se reeleja
Se Eduardo Bolsonaro (PSL) deixar a Câmara dos Deputados e se tornar embaixador do Brasil nos Estados Unidos, como propõe seu pai, não terá aberto mão apenas dos 1,8 milhão de votos que fizeram dele o deputado federal mais votado da história do país. Renunciará também à possibilidade de se candidatar a qualquer cargo eletivo nos próximos anos. Ao menos — salvo imprevistos — até as eleições municipais de 2024. Caso seu pai, o presidente Jair Bolsonaro (PSL), se reeleja em 2022 e fique no cargo até 2026, neste caso a inelegibilidade se estenderá até 2028.
Quem diz é ninguém menos que a Constituição Federal, que no parágrafo 7º de seu artigo 14 determina o seguinte: “São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”.
Isso significa que, enquanto o presidente for seu pai, Eduardo pode hoje no máximo tentar se reeleger deputado federal em 2022. “A única exceção é a reeleição. A finalidade do artigo é impedir o uso da máquina pública [por parte da família do mandatário de turno] e evitar influência. A não ser quando o sujeito já possuía determinado cargo antes”, explica Diogo Rais, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral e professor da Mackenzie. Essa norma vale apenas caso Eduardo mantenha o mandato e decline o convite de assumir a embaixada nos EUA —algo que para acontecer, de todo modo, ainda depende da aprovação dos senadores. Seus irmãos, o senador Flavio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, estão com as vias livres para buscar reeleição futuramente. “Se ele sai para a embaixada, ele perderia esse coringa da reeleição”, assegura Rais.
Contudo, o professor explica que o texto da Constituição é dúbio com relação ao tema, deixando-o vulnerável “a uma questão de interpretação, que é bem elástica”. O problema é que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também não é favorável ao zero três do clã Bolsonaro. Ironicamente, o precedente que pode atrapalhar seus planos está relacionado a família do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: em 2008, o tribunal impugnou a candidatura a vereador em São Bernardo do Campo de Marcos Cláudio Lula da Silva, filho do então chefe de Estado.
O que estava em jogo era o entendimento do tribunal com relação ao “território de jurisdição”, segundo explica Rais. Na época prevaleceu por 5 votos a 2 a tese do relator Felix Fischer. “No caso do presidente Lula, a circunscrição era nacional. Ficava então a discussão sobre se isso englobava Estados e municípios. Ou seja, o filho dele não poderia se candidatar aos cargos federais ou a nada?”. O tribunal decidiu que, sim, engloba. “Foi uma surpresa”, acrescenta o professor.
Possível mudança na jurisprudência
Analisando juridicamente a questão, Rais lembra que “direito político é fundamental e só pode ser restrito com uma norma que seja muito clara”. Ou seja, um direito só pode ser retirado “em caso de certeza, não de dúvida”. O professor raciocina a partir de uma leitura garantista da Carta Magna: “O entendimento do TSE é polêmico porque ele deu maior amplitude a uma norma que restringe um direito fundamental. Por mais que o ente federal tenha abrangência nacional, a Constituição faz referência a uma mesma jurisdição. Fazia sentido impedir candidaturas federais, não estaduais ou municipais”, argumenta.
Assim, existem duas alternativas para que Eduardo Bolsonaro possa se candidatar em poucos anos novamente. Uma delas é que Jair Bolsonaro deixe a Presidência da República pelo menos seis meses antes do pleito de 2022 ou 2026, conforme determina a Constituição. A outra, segundo Rais, é que haja “uma virada jurisprudencial do TSE ou do Supremo”. Algo que ele vê como possível. “Não existe consenso sobre o tema. Foi um 5 a 2 em um momento político tranquilo. A decisão é instável”.