Criada pelo Senado em 2016, a Instituição Fiscal Independente alerta governo quando identifica desequilíbrio fiscal e há riscos para a economia, o emprego e os serviços públicos
No fim de 2016, um novo personagem passou a fazer parte do noticiário econômico brasileiro: a Instituição Fiscal Independente (IFI). Trata-se de um órgão que o Senado criou dentro de sua própria estrutura, composto de economistas, com a missão de vigiar a política fiscal do país. O que a IFI faz, em resumo, é passar um pente-fino nas cifras referentes às receitas e aos gastos do governo e, assim, revelar o estado das contas públicas.
Para os cidadãos comuns, os relatórios que a IFI produz todos os meses podem parecer um conjunto de informações sem aplicação prática. É uma impressão equivocada. Contas públicas fora de controle (principalmente por causa de gastos altos demais) produzem efeitos colaterais graves. Em uma frente, os juros de bancos e lojas ficam elevados e o desemprego dispara. Em outra frente, começa a faltar dinheiro para as políticas públicas, comprometendo áreas como saúde, educação e segurança, e o governo pode tentar compensar a escassez de recursos cobrando mais impostos da população.
Em inglês, existe um termo informal para referir-se a uma entidade como a IFI: watchdog (cão de guarda). A instituição “late” assim que detecta algo estranho na política fiscal, alertando para o desequilíbrio e permitindo que o governo e o Congresso Nacional tomem medidas corretivas. O economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI desde a criação, explica: — Quando a IFI ajuda o país a ter disciplina fiscal, a sociedade é a grande favorecida, pois a economia funciona melhor e há mais recursos para as políticas públicas. Longe de ser uma abstração, a política fiscal tem impacto direto e concreto na qualidade de vida dos cidadãos.
Números sob tortura
No mundo das finanças, há uma brincadeira que diz que os números podem ser torturados até transmitirem a informação desejada, mesmo que ela não seja verdadeira. Isso significa que balanços e estatísticas são facilmente manipuláveis. Sabendo disso, a Instituição Fiscal Independente submete as planilhas e análises produzidas pelo governo a exames cuidadosos e capazes de apontar enviesamentos.
O processo que resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, teve como base a acusação de falhas na condução da política fiscal. No período que antecedeu a eleição presidencial de 2014, os gastos federais com políticas públicas dispararam sem que houvesse arrecadação suficiente para cobri-los. O governo, então, passou a adiar o pagamento de grandes valores que devia a bancos públicos, sem mostrar isso nos balanços, dando a impressão de que as contas públicas estavam no azul. Essa manobra contábil ficou conhecida como pedaladas fiscais.
O economista Gil Castello Branco, fundador e secretário–geral da Associação Contas Abertas (ONG dedicada a fiscalizar os gastos públicos), afirma que não havia transparência na época das pedaladas: — Nem mesmo os bancos, que dispõem de grandes estruturas para acompanhar de perto a política fiscal, perceberam que a situação havia fugido do controle e era gravíssima. Todos acreditaram nos números oficiais sem fazer uma análise mais profunda. Não pode ser assim. É sabido que qualquer governo procura esconder o que está indo mal e mostrar e até inflar o que está indo bem. O grande mérito da IFI é lançar um olhar imparcial sobre os dados oficiais, retirar deles todo o viés político.
Transparência
O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que foi o relator do processo de impeachment no Senado, afirma que, como resultado daquele descontrole fiscal, as finanças públicas permanecem deficitárias até hoje e a economia ainda não voltou a crescer: — As consequências [das pedaladas] foram o aumento da dívida pública e a perda de confiança dos agentes econômicos, dos investidores e das pessoas. São consequências negativas que o país sente até agora. Se a IFI existisse naquele momento, ela teria apontado os problemas e o Congresso poderia ter tomado providências para que a situação não chegasse a tal ponto.
A IFI foi uma resposta do Senado à crise fiscal decorrente das pedaladas. A criação do órgão foi sugerida pelo senador José Serra (PSDB-SP) em 2015, encampada pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), e aprovada pelo plenário em 2016, logo depois do impeachment. Além de vigiar a situação presente, a Instituição Fiscal Independente faz projeções para o curto, o médio e o longo prazo. Isso é particularmente útil para o Congresso Nacional no estudo de projetos de lei que exigem recursos públicos para serem executados.
Nos últimos tempos, a IFI tem publicado análises do impacto que a proposta de reforma da Previdência terá sobre as contas públicas, considerando cada modificação que a Câmara vem fazendo no texto. São subsídios confiáveis que ajudam os parlamentares a decidir como votar. — A IFI dá transparência aos números reais — avalia José Serra. — Esse tipo de transparência é essencial porque evita que tomemos decisões equivocadas, caras para os cofres públicos e pouco eficientes para o cidadão, e que no futuro passemos pelos mesmos maus pedaços dos últimos tempos, que interditaram a política econômica.
Além de relatórios mensais de acompanhamento fiscal e análises de projetos de lei, a IFI publica uma série de outros estudos ligados às finanças. Neles, já abordou temas como as contas do FGTS, o sistema previdenciário dos estados, os efeitos da redução da taxa básica de juros e o impacto das renúncias fiscais.
Independência
A Instituição Fiscal Independente não é uma invenção brasileira. Atualmente, 40 países contam com conselhos fiscais semelhantes (veja mapa acima). Um dos mais antigos é o dos Estados Unidos, o Congressional Budget Office (Escritório de Orçamento do Congresso, em tradução livre), fundado em 1974. Assim como ocorreu no Brasil, foi após alguma turbulência que a maioria dos países se deu conta de que era preciso fiscalizar com rigor a política fiscal. Dos 40 conselhos existentes no mundo, a abertura de pelo menos 20, em especial na Europa, foi motivada pela crise financeira mundial de 2008.
O adjetivo “independente” tem motivo. Apesar de pertencer ao Senado, a Instituição Fiscal Independente está blindada da interferência de senadores. Os três economistas que a compõem têm mandato com tempo determinado, o que impede que sejam demitidos ao sabor dos ventos políticos. Eles não podem ser filiados a partido. Antes de tomar posse, passam por sabatina e votação.
Veja os relatórios da IFI: http://www12.senado.leg.br/ifi
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/558196/RAF29_JUN2019.pdf