Frequência dos maus hábitos não deve servir de habeas corpus
Reza a lenda que, em Esparta, as crianças eram incentivadas a roubar. Mas aquelas que se deixassem apanhar seriam severamente punidas. Podemos classificar a pedagogia espartana como um hino à hipocrisia. Mas também dá para interpretá-la como uma solução, ainda que imperfeita, para dilemas sociais complexos, que envolvam interesses contraditórios.
Deixemos por ora Esparta de lado e retornemos ao Brasil. Nossa Justiça é, para usar uma palavra recatada, um lupanar no que diz respeito ao relacionamento entre juízes e partes. Os problemas começam na família —reportagem de 2016 da Folha mostrou que um terço dos ministros do STJ tinha cônjuges ou filhos advogando na corte— e se estendem a amigos, colegas, ex-clientes e bajuladores.
A frequência dos maus hábitos não deve, porém, servir de habeas corpus. O ex-juiz Sergio Moro foi pego em diálogos comprometedores com o MP e não podemos fingir que não vimos isso, mesmo que a interceptação das conversas tenha sido ilegal. O que está em jogo é a noção de que todos têm direito a um juiz pelo menos não demonstradamente parcial.
Isso significa que, se a Justiça considerar que Moro violou dispositivos do CPP, não devemos ter medo de decretar as nulidades cabíveis. Mas é preciso avaliar cuidadosamente a extensão do comprometimento, para anular só aquilo que precisa ser anulado. Nosso histórico aqui —Castelo de Areia, Satiagraha— é de 8 ou 80, o que é ruim. Uma interpretação muito extensiva da doutrina da árvore dos frutos envenenados levaria a absurdos, como devolver aos corruptos o dinheiro repatriado do exterior.
A exemplo dos pedagogos espartanos, servimos a dois princípios que caminham em direções opostas. Temos de mostrar que atalhos para condenar não serão tolerados pela Justiça e preservar ao máximo a essência da Lava Jato, que teve a virtude republicana de não poupar os poderosos da aplicação da lei.