Vontade de proteger militares fechou os olhos do tribunal
“A manutenção da prisão assumiria certamente contornos de prejulgamento. Estaríamos antecipando a pena. Estaríamos ferindo de morte a presunção de inocência.”
Se os versos fossem recitados por Gilmar Mendes, hordas iradas iriam às ruas para apedrejar o STF. A frase, porém, é do general Lúcio Góes, do Superior Tribunal Militar. Ele foi relator do julgamento que mandou soltar oficiais e praças que atiraram 257 vezes e mataram o músico Evaldo Rosa e o catador Luciano Macedo.
Dez ministros disseram que não havia razão para manter os militaresem prisão preventiva. Outros três sugeriram que, soltos, eles deveriam sofrer restrições, como a proibição de participar de operações. A maioria achou que não era necessário.
O tribunal adotou a linha que preserva o direito do indivíduo de não ser punido antes da condenação. Mas a vontade de proteger a corporação era tão grande que alguns juízes fecharam os olhos para os fatos.
A única a votar pela manutenção da prisão foi a ministra Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, que é civil. Ela lembrou que os oficiais e praças mentiram inicialmente sobre o caso e que houve um “excesso claro e evidente”. “Com todo o respeito, desonraram a farda”, afirmou.
Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Francisco Joseli Parente argumentou que os militares, “como humanos que são”, estão sujeitos a cometer “equívocos e até excessos” em suas ações. O carro da família de Evaldo foi atingido por 62 disparos.
O presidente Jair Bolsonaro defende mudar a lei para afrouxar as punições aplicadas a militares em operação. “Não colocarei tropa na rua sem retaguarda jurídica. Não quero visitar soldado humilde, com 20 anos, na cadeia por ter atirado em um bandido”, disse, em novembro.
O Estado já admite seu fracasso ao transferir a segurança pública para o guarda-chuva das Forças Armadas, colocando jovens praças nas ruas com fuzis e pistolas. Se é impossível exigir deles a devida responsabilidade, a violência se torna método e a falência fica completa.