Alon Feuerwerker: Quando o debate econômico vira culto religioso a favor, o maior risco é do próprio governo

A satisfação com produtos ou serviços pode ser medida pela equação S = En - Ex. Satisfação é entrega menos expectativa. Uma entrega bacana produz frustração se a expectativa veio hipertrofiada. Vendas brilhantes saem pela culatra se o entregue fica abaixo do prometido.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

A satisfação com produtos ou serviços pode ser medida pela equação S = En – Ex. Satisfação é entrega menos expectativa. Uma entrega bacana produz frustração se a expectativa veio hipertrofiada. Vendas brilhantes saem pela culatra se o entregue fica abaixo do prometido.

O governo Bolsonaro nasceu da urna produzindo alta expectativa em dois campos: economia e segurança pública. Duas variáveis que vão definir o tanto de satisfação ou insatisfação do eleitorado quando o presidente se apresentar à reeleição, ou o bloco de poder dele aparecer em 2022 com outro nome.

São variáveis importantes também ao longo do mandato, especialmente numa política como a brasileira, cada vez mais habituada a surpresas.

Melhora econômica não produz automaticamente avanços na segurança. Uma prova foram os governos do PT. As regiões mais dinâmicas do período, no Nordeste, experimentaram piora expressiva na segurança. As exceções, como Pernambuco, só confirmavam a regra.

Mas melhora econômica, principalmente quando traz muito emprego, tem efeito indireto positivo sobre outras variáveis. Dinheiro no bolso ajuda a resolver, ou relativizar, desafios não estritamente econômicos. O contrário também é verdade: na casa em que falta pão todos brigam e ninguém tem razão.

Na segurança, até agora, o governo parece colocar as fichas em mudanças legais de endurecimento penal. Uma aposta arriscada, mas tem sua vantagem: ainda que os índices não melhorem, a violência legal -ou nem tanto- contra o crime é um anestésico coletivo poderoso. Mesmo que só até certo ponto.

E sempre será possível culpar os governadores. Ainda que a escolha do ministro da Justiça tenha trazido o tema para mais perto do presidente da República.

Vital mesmo é a economia. Nesta, a velocidade de criação de empregos. E a qualidade deles. Qual é a aposta do governo? Que a reforma da previdência melhore decisivamente a expectativa fiscal, e portanto reduza juros, e portanto desperte o otimismo do investidor e do consumidor.

Onde está a dúvida? Se vai funcionar do jeito prometido. Supondo que haja mesmo uma reforma da previdência, o dinheiro poupado vai ser usado para abater dívida? Ou o governo e o Congresso vão preferir engordar o caixa para investir, e assim melhorar o humor das bases eleitorais rumo a 2022?

Ajuda a austeridade o fato de que o resultado previsto no curto prazo pelo projeto de reforma é relativamente menor. A poupança será crescente com o tempo.

Mas um governo sem sustentação congressual própria fica mais vulnerável às demandas para gastar. E haverá pressão social por mais investimento e gasto público, para compensar menos dinheiro no bolso dos afetados pela reforma. Porque déficit público é sinônimo de superavit privado. Não custa lembrar.

Outro detalhe: a redução drástica do déficit depende também de o BNDES devolver uma dinheirama ao Tesouro. Mas isso implica menos dinheiro para o banco emprestar. Aí também a ideia é o capital privado interno e principalmente externo ocupar o espaço. No bottom line, tudo afinal depende disso.

Uma característica do debate econômico no Brasil é operar com dois motores estáveis: o efeito-manada e a interdição. A palavra de ordem do Plano Cruzado nos anos 80 volta de tempos em tempos. “Tem que dar certo (não deveria ser ‘tem de’?)”. E as (más) experiências pregressas nunca servem de lição.

As ideias econômicas oficiais entre nós nunca admitem crítica, apenas autocrítica a posteriori. Os flancos fiscais abertos do Cruzado eram só nota de rodapé, até a coisa afundar. O mesmo problema foi subestimado no Plano Collor. O “populismo” cambial do Real era #mimimi, até o desabamento de 1999.

Esses exemplos tratam de tempos algo antigos, mas vale a pena lembrar.

A interdição do debate e o efeito-manada vêm em doses ainda mais cavalares quando a base do governo é gelatinosa, e é o caso agora. O ministro da Economia tem o apoio unânime da opinião pública(da), então só se discute o custo de aprovar a coisa no Congresso. É o único ponto da pauta.

Tudo facilitado pela demonização do papel do Estado. Ainda que nunca tenha havido ciclo econômico benigno no Brasil sem participação decisiva estatal. E dos presidentes eleitos após a redemocratização o único que acabou bem foi Lula. Os demais? Ou não acabaram ou acabaram mal.

Quando o debate econômico vira culto religioso a favor, o governo vira o mais vulnerável ao risco.

Ainda que no começo ele não perceba isso.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

Privacy Preference Center