Toffoli e Moraes levaram a crise para dentro do STF. Outros ministros querem o caso no plenário para condenar o ato de censura
A crise se instalou dentro do Supremo. A reação à censura contra a revista Crusoé aumentou a rejeição de alguns ministros do STF a todo o processo iniciado pelo presidente da corte, Dias Toffoli. O pedido de arquivamento feito pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge —e rejeitado pelo presidente do inquérito —, foi visto com estranheza por alguns integrantes do STF. O ministro Marco Aurélio Mello verbalizou isso. Chamou de “inconcebível” a censura e de “inusitado” o ato da PGR.
O pedido de arquivamento foi rejeitado por Moraes, mas o curioso é que o ato da PGR foi mal visto inclusive por aqueles que discordam da abertura do inquérito e rejeitam frontalmente a decisão de retirar as matérias com referência a Dias Toffoli da revista Crusoé e do site O Antagonista. Um dos ministros explicou assim a sua visão:
—O meu medo é que se o inquérito terminar nenhum de nós vai falar porque o assunto não será levado a plenário. Nós temos que condenar de público a censura para não se repetir. Por isso defendo que isso vá a julgamento. E dada a gravidade da decisão tem havido questionamento. Vários ministros estão querendo que isso seja levado a plenário. Se formos autorizados a falar, o peso de ter decidido censurar uma informação não ficará sobre todos. Se houver votação ficará claro que o Supremo não é um todo coeso.
O país está num nó institucional. A preocupação com o combate a fake news é legítima. É um desafio para as instituições democráticas em qualquer país do mundo. São preocupantes os ataques quando vão além da crítica normal e disseminam injúria contra alguém e ameaças frontais às instituições democráticas. Até porque, como se viu durante a campanha eleitoral, o incentivo ao fechamento do Supremo foi feito publicamente pelo deputado Eduardo Bolsonaro, pessoa com mandato público e filho do presidente.
Como reagir às fake news ou ao assédio virtual. Esse é o ponto central. Ficou claro neste episódio que a maneira como o ministro Dias Toffoli reagiu ampliou o fato.
— Em época de crise, temos que ser um pouco ortodoxos, observando o figurino. Houve uma precipitação que provocou o desgaste da própria instituição do Supremo. É preciso temperança —diz Marco Aurélio Mello.
O primeiro dos erros foi abrir o inquérito, mas o maior deles foi determinar a censura. E por fim, Toffoli confundiu o assunto que o atingia pessoalmente com um atentado à instituição:
— Tudo começou mal. Quando vemos algo em que possa haver crime nós submetemos ao Ministério Público. O Estado acusador é o MP, não é o Supremo. O presidente (Toffoli) resolveu instaurar o inquérito. O primeiro equívoco ocorreu aí. O segundo erro foi quando, ao invés de levar à distribuição, ele designou um relator, o ministro Alexandre de Moraes. Eu não aceitaria nunca porque foi a quebra da organicidade do próprio tribunal. Agora se partiu para uma censura, o que é inconcebível de um guardião maior da Constituição. Temos que observar acima de tudo a lei das leis, que é a Constituição. Ficou tudo mais estranho com essa postura do Ministério Público, porque se houvesse o respaldo maior iria desaguar numa ação penal e o titular seria o MP. O complicador é que nesse caso da liberdade de expressão tudo se fez visando proteger um dos integrantes do Supremo.
O ministro Marco Aurélio definiu como inusitada a decisão da procuradora-geral de arquivar o processo porque —como ficou claro pela reação do ministro Alexandre de Moraes —ela não foi provocada para isso. Outro integrante da Casa lembrou que, quando o ministro Dias Toffoli comunicou que abriria o inquérito, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, estava ao lado e permaneceu em silêncio. Só mais tarde, pressionada pelo MP, ela fez a pergunta-chave: qual é o objeto, o fato determinado. O que mais irrita outro ministro é que tudo tem sido atribuído ao “Supremo” como se tivesse sido uma decisão colegiada. E esse ato radical de mandar retirar o conteúdo de uma publicação foi tomado exatamente numa semana em que não está havendo sessão do STF e a maioria dos ministros nem está em Brasília.
O fato é que a tentativa de censurar provocou o oposto. Ampliou-se a visibilidade do fato que Toffoli tentou eliminar das publicações.