Economista da FGV diz que medida deve reduzir extrema pobreza, mas é eleitoreira. Especialistas cobram mecanismo de reajuste claro que proteja poder aquisitivo de miseráveis
O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quinta-feira, em Brasília, a criação do 13º salário para o Bolsa Família, hoje o principal programa social de transferência de renda no Brasil. A medida, que significará um aumento de 2,5 bilhões de reais no orçamento do programa de 2019, trata-se do cumprimento de uma das principais promessas de campanha do capitão reformado e foi oficializada em cerimônia que comemorou os 100 dias de Governo. A renda extra para as 13,7 milhões de famílias beneficiadas terá impacto limitado no orçamento e, ainda que não resolva o problema de fundo de criar um mecanismo perene para proteger o poder de compra dos miseráveis, deve contribuir para a queda da extrema pobreza no país.
A nova parcela do benefício será pago em dezembro e representará um aumento de 8,3% no valor anual recebido pelas famílias que participam do programa. Segundo o Governo, os recursos sairão dos “pentes-finos” realizados para identificar eventuais fraudes. Com a inclusão do 13º pagamento, o Bolsa Família não terá reajuste em 2019. O Governo não detalhou, no entanto, se nos próximos anos o benefício terá algum tipo de aumento.
O economista Marcelo Neri, da FGV Social e um dos principais especialistas em pobreza, elogia medida: “A decisão é ótima, mas poderia ser melhor”, avalia. Por seus cálculos, a criação da nova cota é vantajosa para os mais pobres neste ano porque equivale a um ganho real de 4,3%, se levarmos em conta a inflação dos últimos 12 meses, que foi de 3,89%. “É uma medida que faz muito sentido. Ajuda a diminuir a extrema pobreza sem quase nenhum impacto fiscal e também faz girar a roda da economia.”
Para Neri, no entanto, jogar o benefício para o futuro faz menos sentido. “Defendemos que se dê a liberdade de escolha do beneficiário quando receber o 13º salário, criando uma reserva estratégica para emergências, como a necessidade de se comprar remédio ou material escolar”, exemplifica.
Debate sobre o reajuste e Nordeste
Com a criação do 13º do Bolsa Família, Bolsonaro faz um aceno aos eleitores de baixa renda da região onde grande parte do eleitorado recebe o benefício (12%) e o rejeita: o Nordeste. Desde que prometeu durante a campanha esse pagamento extra, Bolsonaro já tentava se afastar de vez de suas críticas anteriores ao Bolsa Família e também das notícias espalhadas pela oposição de que ele acabaria com o programa. Quando era deputado federal – cargo que ocupou por 28 anos – o hoje presidente dizia que o projeto era compra de votos. O anúncio também coincide com um momento de queda de popularidade do presidente.
“Oficializamos hoje, junto ao Ministério da Cidadania a criação do 13º salário para os beneficiários do Bolsa Família, recursos oriundos em sua esmagadora maioria de desvios e recebimentos indevidos. Grande dia!”, escreveu o presidente na sua conta no Twitter.
Pouco minutos depois, o ex-candidato à Presidência Fernando Haddad (PT) resgatou um tuíte de 2010 em que Bolsonaro chamava o programa de “bolsa-farelo” e fez uma série de questionamentos ao presidente. “Será que 1/12 do bolsa-farelo (13ª parcela) vai reverter sua situação no Nordeste? Lembrando que você não reajustou o benefício nem pela inflação e seu Governo ofende os nordestinos a todo instante?”, escreveu Haddad.
O bate-boca no Twitter toca num ponto central sobre o Bolso Família: o fato de o programa não ter um mecanismo estabelecido de reajuste e flutuar conforme os ventos políticos. Ainda que os economistas em geral critiquem fórmulas que indexem benefícios sociais pagos pelo Estado, há a defesa de que só uma fórmula de reajuste que compense a inflação, aberta a aumentos reais e aliada a revisões periódicas nos critérios de acesso ao programa, poderia funcionar como escudo político para proteger o poder de compra dos miseráveis.
Desde que foi criado, em 2003, pelo Governo Lula, o benefício médio do Bolsa Família foi reajustado abaixo da inflação até por volta de 2011, segundo cálculos do site Nexo. Os maiores reajustes reais aconteceram no Governo Dilma Rousseff, mas foi justamente quando ocorreu o congelamento mais prejudicial. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostram que em 2015 e 2016 (sob Dilma), quando o benefício não mudou de valor em um cenário de inflação acima de 10% e crise econômica, a extrema pobreza subiu 23% e 17%, respectivamente, conta Marcelo Neri. “O que é um absurdo, porque é exatamente durante um período recessão que você precisa expandir os programas para os mais pobres e não economizar em cima desses programas. É uma economia burra. Essa medida de agora é um gasto inteligente”, ressalta o economista.
O último reajuste do Bolsa Família tinha acontecido no ano passado, quando o Governo de Michel Temer anunciou um aumento de 5,67%, acima da inflação registrada em 2017, de 2,95%, o que gerou um aumento real de 2,72% no valor do benefício. Estudos mostram que em anos de eleição a renda real de programas sociais sobem, em média, 22,57%, enquanto nos anos imediatamente após ao pleito, geralmente há diminuições. O que torna um reajuste pós-eleitoral uma situação mais rara, mas não menos eleitoreira. “Ao anunciar esse 13º, Bolsonaro fez um dois em um, cumpriu uma promessa de campanha na data comemorativa de 100 dias do Governo e ainda afastou qualquer dúvida que opositores e críticos a ele tivessem sobre uma extinção do programa ou do próprio 13º salário”, diz.
O Bolsa Família é concedido a famílias que têm renda mensal por pessoa de até 89 reais, além daquelas com renda familiar mensal de até 178 reais por pessoa e que tenham integrantes gestantes, crianças ou adolescentes. O valor que cada beneficiário recebe varia de acordo com o número de integrantes na família, a idade de cada um e a renda declarada. Mas, atualmente, o benefício médio é de 188 reais. Por ser uma transferência focada nos mais pobres, qualquer reajuste tem forte impacto nesta camada da população.
Para Neri, não há contradição no fato de se aumentar o valor de benefícios sociais em um momento de ajuste fiscal. “Se a reforma da Previdência é a operação tão necessária ao futuro do país, o Bolsa Família é uma espécie de anestesia. O nordestino, em particular, aquele que mais sofreu nos últimos anos vai receber um impacto 107% maior da medida anunciada que o brasileiro em geral. Similarmente, as mulheres recebem individualmente 1000,7% mais o Bolsa Família que os homens. O reajuste as empodera”, completa.