Com chamado aberto à comemoração do golpe de 1964, presidente dobra sua aposta na polarização política
O Governo Jair Bolsonaro entrou em uma espiral de ataques internos. Nas últimas duas semanas, há uma espécie de todos contra todos. Apoiadores criticam ministros, aliados reclamam de assessores, deputados minimizam a atuação de membros da Esplanada dos Ministérios. Um parlamentar que se elegeu na esteira presidencial diz ser pesona non grata no Palácio do Planalto, líder do PSL reclama da reforma da Previdência, números 2 e 3 de pastas relevantes caem dos cargos ou são boicotados e, por fim, o ideólogo do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho, mira sua “metralhadora verbal” para vários lados e a confusão já fez várias baixas no Ministério da Educação. Nesta segunda, quem pediu para sair foi a secretária de Educação Básica ,Tania Leme de Almeida. Não sobra quase ninguém fora dos ruídos. E a gestão ainda não completou nem três meses.
O epicentro de tudo, porém, segue no Congresso, onde o conflito público tem como protagonistas nada menos do que os dois chefes dos Poderes, Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). É lá que o bolsonarismo ainda tem de provar que é capaz de fazer o Governo andar. Maia, que ocupa um cargo estratégico pelo comando da agenda no Legislativo, falou, no fim de semana, que o Executivo é um “deserto de ideias”, sinalizou que está deixando a articulação pró-reforma da Previdência, cobrou o empenho do presidente, afirmando que ele deveria sair do Twitter. Bolsonaro dobrou a aposta. Disse não entender a razão de estar sendo atacado, afirmou que a reforma, agora, é de responsabilidade do Congresso Nacional, e voltou a dizer que não se entregará à “velha política”, que é definida por ele como uma troca de emendas e cargos comissionados por votos.
O que tem deixado esses ataques ainda mais evidentes são as redes sociais, o principal canal de comunicação do Governo desde a campanha eleitoral. Apesar das alfinetadas de Maia, o presidente não parece nem um pouco disposto a descer deste palanque. Pelo contrário. Já encomendou o ultraje político da semana, ao enviar pelo porta-voz do Planalto, Otávio Santana do Rêgo Barros, uma mensagem. A ordem, explicou Rêgo Barros nesta segunda, é que o Ministério da Defesa faça em 31 de março para as “comemorações devidas” para os 55 anos do golpe militar de 1964, que iniciou a ditadura que matou e torturou adversários políticos e minorias e vetou eleição direta para presidente.
A exaltação explícita do período militar por um presidente é algo inédito desde a redemocratização, mas não é uma surpresa vinda de Bolsonaro, que cita como herói um coronel reconhecido pela Justiça como torturador no regime. Seja como for, fazer disso um ato de Governo potencializa ainda mais o clima de polarização política que mantém ativado boa parte de seus seguidores: “As pessoas que querem Bolsonaro longe das redes sociais sabem que é isso que o conecta com o povo, já que não tem mídia a seu favor”, escreveu Carlos Bolsonaro, vereador e influenciador da vida digital do pai. “Foi isso que garantiu sua eleição, inclusive. Em outras palavras, o querem fraco e sem apoio popular pois assim conseguiriam chantageá-lo”, seguiu.
É também pelas redes sociais que outras alas do bolsonarismo disputa holofotes. No Twitter, a líder do Governo no Congresso, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), criticou um colega, Kim Kataguiri (DEM-SP), líder do direitista Movimento Brasil Livre e apoiador da reforma previdenciária. Kim chamou os deputados do PSL de incoerentes. Joice disse que Kim era oportunista. Ao que ele respondeu que ela mudou de lado entre a eleição e a escolha de Maia para presidir a Câmara. Ainda a provocou citando Carlos Bolsonaro, o filho do presidente que é vereador e tuiteiro no Rio de Janeiro: “Quer seguir o Carluxo e afundar o Governo no Twitter também”? Joice caiu na provocação e respondeu chamando Kim, um dos mais jovens deputados, de moleque e de biruta de aeroporto. “Pega a chupeta e vai nanar, neném. Deixa os adultos trabalharem”.
“As redes ajudaram muito na eleição, mas, do jeito que estão sendo usadas, só atrapalham. Faltam conselheiros ao redor do presidente para dizer que o momento é de governar”, avaliou o líder do PSL, o deputado Delegado Waldir. Ele é um dos congressistas descontentes com a reforma, diz que quem distingue os novos parlamentares dos velhos faz “bullying político” e cobra cargos para que todos os aliados se sintam prestigiados pelo presidente. “O deputado, o senador, quer se sentir parte do Governo”.
Sobre essa troca de cargos por apoios, uma representante da autodenominada “nova política”, a deputada Bia Kicis (PSL-DF), vice-líder do Governo no Congresso, queixou-se. “As pessoas têm de entender que vivemos um novo momento. Esse troca-troca já era”. Ao defender Bolsonaro, diz que ele já fez tudo o que precisava ser feito. “Esteve duas vezes na Câmara para entregar as reformas, envia técnicos para debater o assunto e esclarece tudo o que precisa esclarecer. Agora, a responsabilidade é nossa, dos deputados.”
Foi também nas redes sociais que apoiadores de peso, como o pastor evangélico Silas Malafaia, líder da igreja Assembleia de Deus, reclamou de Olavo de Carvalho. Há pelo menos uma semana os dois batem boca sobre a influência que cada um teve na eleição de Bolsonaro e sobre o rumo que ele deveria dar à sua gestão.
Ainda no universo virtual, o deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP) se queixou de ter entrado no rol de pessoas que não são bem-quistas na sede do Executivo, simplesmente por defender que o primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), se afastasse do cargo para se defender de investigações policiais/judiciais que pesam contra ele. Frota ainda mirou contra Carvalho e um pupilo dele, o assessor internacional da presidência Filipe Martins. O escritor é batizado por ele de “eremita da Virgínia”, Estado norte-americano onde ele vive, enquanto o assessor é apelidado “louro José”.
Carvalho, que indicou dois ministros para Bolsonaro e um punhado de ex-alunos, já reclamou do vice-presidente, o general Hamilton Mourão, e de outros membros do primeiro escalão, principalmente os militares. Xingou Mourão de “idiota” e “estúpido”. Afirmou os representantes da Forças Armadas têm mentalidade golpista e são um “bando de cagões”. O último a rebater o ideólogo foi o general e ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto Santos Cruz. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo disse que ele é desequilibrado. “Por suas últimas colocações na mídia, com linguajar chulo, com palavrões, inconsequente, o desequilíbrio fica evidente”.
O jogo no Congresso e o diesel
A guerra de todos contra todos é capaz de paralisar setores da máquina, como o próprio Ministério da Educação. Mas o principal jogo, que concentra a atenção dos investidores e de grandes empresários que apoiaram o bolsonarismo, é a reforma da Previdência. Na tarde desta terça-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, estará na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara para sanar dúvidas dos parlamentares. É o primeiro encontro do ministro com os congressistas que ele tem de convencer a apoiar as mudanças nas aposentadorias dos civis e dos militares – esta última mais controversa, por atrelar mudanças que beneficiam a carreira. Hoje, pelas contas de analistas e de diversos deputados, o Governo teria menos de um terço dos 308 votos necessários para aprovar a reforma no plenário da Casa.
A ida de Guedes à Câmara será um termômetro para saber quais as chances de Bolsonaro aprovar sua reforma ainda neste primeiro semestre, como almeja. Enquanto isso, há sinais que inspiram cuidados também fora de Brasília. O preço do diesel voltou a subir e, com o fim do programa de subsídios criado após a greve de caminhoneiros em 2018, a alta já começa a inquietar a categoria. “Com relação a eventual greve dos caminhoneiros, nosso presidente vem acompanhando as dificuldades que essa classe vem sofrendo ao longo dos anos e tem se colocado disponível para avançar nas soluções”, disse o porta-voz.