É preciso redobrar esforços para evitar que o aquecimento global seja ‘politizado’ de novo
Preocupações com a preservação do meio ambiente datam da mais remota Antiguidade. Platão, há 2.500 anos, comparou o desmatamento na Grécia do seu tempo com “o esqueleto de um homem doente: toda a gordura e a carne tenra se foram, deixando apenas a moldura nua da Terra”.
Alguns governantes, ao longo da História, se deram conta das consequências negativas da destruição das florestas. Os antigos egípcios penalizavam quem cortasse árvores e na civilização inca essa prática era punível com a morte.
Apesar disso, a expansão do Império Romano varreu as florestas de quase toda a Europa e da Inglaterra. O mesmo foi feito pelos colonizadores portugueses, que devastaram a Mata Atlântica até esgotar a produção de pau-brasil.
A situação começou a mudar no século 16, por diversas razões: em alguns países, como a Áustria, um reflorestamento foi feito por questões econômicas; em outros, pelo interesse dos aristocratas europeus em preservar as florestas em torno dos seus castelos para garantirem espaço para suas caçadas. Aliás, essa é a razão pela qual Londres tem hoje tantos parques. Na enorme expansão da conquista do território da América do Norte, reservas naturais foram criadas até por motivos estéticos, sob a influência de intelectuais como Thoreau.
Surgiram no século 19 as primeiras associações ambientalistas do mundo, como a Open Society, na Inglaterra, em 1865, o Sierra Club, nos Estados Unidos, em 1892, e a Audubon Society, também dos Estados Unidos, em 1905.
O caráter básico delas era a conservação da natureza, o que levou à criação, em 1952, da União Internacional para a Conservação da Natureza.
No fundo, eram todas elas organizações inspiradas em nobres propósitos, bem aceitos pelo establishment e próximas da “direita”, mas pouco eficazes em evitar a degradação ambiental decorrente da industrialização selvagem do século 19, devida à utilização de carvão em grande escala. Nos países menos desenvolvidos, a expansão colonial dos séculos 19 e 20 levou a degradação ambiental ao resto do mundo.
Foi só a partir da metade do século 20 que surgiram na Europa e nos Estados Unidos movimentos sociais e organizações que começaram a questionar seriamente os modelos de desenvolvimento econômico que levavam à degradação ambiental. Esses movimentos, que se organizaram em parte pela repulsão à Guerra do Vietnã, acabaram se expandindo para a luta contra o apartheid na África do Sul, a discriminação racial nos Estados Unidos, a cruzada contra o uso da energia nuclear, depois do acidente de Chernobyl, e a emancipação feminina, que a pílula anticoncepcional acelerou.
Algumas dessas organizações, como o Greenpeace, introduziram um tipo de ativismo que não existia no movimento ambientalista do início do século 20, que era até então tolerado pela “direita”. Por essa razão a revolução cultural dos anos 1970 ganhou aspectos mais próximos do que se rotula como “esquerda” do movimento ambientalista, crítico da economia capitalista dos países do Ocidente e da economia dos países da área socialista, uma vez que a União Soviética não revelou preocupações maiores com a preservação ambiental do que seus adversários ocidentais na guerra fria.
O que estamos presenciando agora neste início do século 21 é um movimento de “contracultura” ao que se poderia considerar exageros da revolução cultural dos anos 70. Ele se manifesta no renascimento da valorização da família, no nacionalismo e nas restrições à entrada de imigrantes de Estados islâmicos e africanos, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. Neste país em particular, a eleição de Donald Trump tem sido interpretada como uma reação ao “politicamente correto” dos anos de Bill Clinton e Barack Obama.
Ele se manifesta também por meio de ideologias evangélicas cristãs (não católicas), baseadas na sua interpretação pessoal dos Evangelhos, e atrai também grupos de protestantes, mórmons e judeus. Eles têm em comum um forte apoio à economia de mercado (sem controle governamental), questionam a Teoria da Evolução, são contrários à manipulação genética, eutanásia, homossexualidade, educação sexual, ao aborto; e são céticos em relação ao aquecimento global, além de terem uma forte suspeita das elites científicas que questionam as interpretações literais da Bíblia.
Uma vítima dessa descrença no conhecimento científico é a recusa em aceitar o fato notório de que a atividade humana é a causa principal do aquecimento global, o que favorece grupos econômicos importantes nos países produtores de combustíveis fósseis e, principalmente, empresas de petróleo e de carvão.
Existe, porém, um elemento novo que surgiu nesse debate, com o trabalho dos cientistas de grandes universidades americanas como Princeton, Universidade da Califórnia, e também de alguns pesquisadores brasileiros. Esses cientistas analisaram as causas da degradação ambiental, como certos tipos de tecnologias – comuns a todos os países industrializados, capitalistas ou comunistas – e o uso de combustíveis fósseis. E identificaram os verdadeiros vilões, os responsáveis pelos problemas.
Esses trabalhos tiveram o mérito de “despolitizar” o debate e abrir caminho para a adoção de tecnologias limpas, como o uso de energias renováveis. Exemplo de sucesso nessa área foi a melhora da qualidade do ar, da água e a disposição do lixo, cujas consequências positivas são visíveis a olho nu.
Contudo o aquecimento global é mais difícil de explicar, porque não é visível, seus impactos não são imediatos – somente se dão no longo prazo – e combatê-lo tem custos elevados. É por essa razão que é preciso, nesse caso, um esforço redobrado dos cientistas para evitar que o tema do aquecimento global seja novamente “politizado” e deixar muito claro que não é sensato adiar as medidas que poderão resolvê-lo.
*Professor emérito da USP, foi ministro do Meio Ambiente