Temendo exploração política, presidente demora em aparecer como líder solidário
Jair Bolsonaro ainda não conseguiu se ajeitar na cadeira presidencial. Quando as notícias do massacre brutal em Suzano chegaram ao gabinete, pela manhã, ele subiu e desceu o assento, reclinou o encosto, e esperou. À tarde, sentiu o peso da faixa e deu a dimensão merecida aos fatos: “Uma monstruosidade e covardia sem tamanho”, escreveu.
O país ficou abalado com a crueldade dos assassinos, que tiraram as vidas de cinco jovens e três adultos de maneira brutal. A comoção naturalmente tomou o Palácio do Planalto. O presidente, porém, levou seis horas para se manifestar. Bolsonaro acertou no tom, mas provou mais uma vez que a retórica de campanha é uma bola de ferro presa a seus pés.
Dois episódios revelam as razões da cautela exagerada do governo. Três horas após o atentado, Carlos Bolsonaro afirmou a um seguidor que o pai aguardaria detalhes do caso antes de se pronunciar. “Óbvio que todos nos solidarizamos e óbvio que muitos exploram maldosamente contra o presidente. Portanto, aguardar as informações é vital, sem oportunismo”, publicou. Pouco depois, apagou a mensagem.
No fim da tarde, o porta-voz do Planalto foi questionado sobre possíveis ações do governo para impedir novas tragédias, mas ficou na defensiva. “O evento não tem relação direta com os projetos propostos pelo nosso presidente em seu programa de governo”, respondeu, sem que alguém tivesse tocado no ponto.
A defesa enfática da flexibilização do porte de armas tornou Bolsonaro prisioneiro do discurso de campanha. O medo da exploração política do ataque, praticado com um revólver, capturou o líder que deveria ter o papel de oferecer solidariedade, rumos e soluções para o país.
Se Bolsonaro acredita que os cidadãos devem ser livres para comprar armas de fogo, ele deve ter a coragem de debater o assunto racionalmente, com dados concretos e exposto ao contraditório, mesmo que o ambiente pareça desfavorável a suas teses. Mas o candidato não pode acorrentar o presidente.