Guru do bolsonarismo explica, em entrevista ao GLOBO, por que pediu saída de alunos do governo
Natália Portinari e André de Souza, de O Globo
BRASÍLIA – Depois de causar alvoroço aconselhando, nas redes sociais, seus alunos a deixarem seus cargos no governo do presidente Jair Bolsonaro, na madrugada desta sexta-feira, o professor de filosofia Olavo de Carvalho , radicado nos Estados Unidos, disse ao GLOBO que seu conselho se motivou pela informação de que “espertalhões” dentro do governo Bolsonaro estariam atuando para frear a “Lava-Jato da Educação”, uma investigação sobre corrupção em contratos do Ministério da Educação (MEC) em gestões passadas.
– Inverteram a cronologia dos fatos. Estão dando a notícia de que, depois das minhas críticas, teriam demitido alunos meus, mas esses fatos já estavam acontecendo antes de eu falar qualquer coisa. O que aconteceu é o seguinte. Fiquei sabendo que alguns espertalhões estariam tentando parar a Lava-Jato da Educação e, com base nisso, pedi que meus alunos saíssem do governo – disse Olavo.
Questionado sobre a quais alunos se dirigia seu conselho, Olavo cita dois: o assessor internacional do presidente, Filipe Martins, e o advogado Tiago Tondinelli, chefe de gabinete do MEC. Segundo a “Folha de S.Paulo”, Tondinelli irá deixar o cargo. Olavo diz que não travou contato com nenhum dos dois após o conselho que deu em redes sociais. O GLOBO não conseguiu falar com os dois.
– Eu não mantenho contato com membros de governo, ninguém entrou em contato comigo depois (de fazer as críticas). Não conheço pessoalmente todos os meus alunos e não fico supervisionando o que acontece nos ministérios. Vocês (jornalistas) parece que gostam de teoria da conspiração. Ernesto Araújo e Vélez Rodríguez não são meus alunos. Eu li o Vélez Rodríguez, eu é que fui influenciado por ele.
Segundo pessoas próximas ao ministro, Grimaldo e outros alunos de Olavo receberam a opção de permanecer no ministério em novas funções. Todos aceitaram, à exceção de Grimaldo. Ao GLOBO, o ministério diz que, como se trata de remanejamento interno, não se manifestará sobre o assunto.
A “Lava-Jato da Educação” foi anunciada pelo ministro Ricardo Vélez Rodríguez em meados de fevereiro. Segundo ele, trata-se de uma investigação interna sobre atos das gestões anteriores, aberta após encontrar indícios de corrupção e desvios em programas da pasta. Foi assinado um protocolo de intenções com outros órgãos do governo para apurar as irregularidades, que envolvem também concessão ilegal de bolsas de ensino à distância e irregularidades em universidades federais. Na última semana, Bolsonaro reforçou, no Twitter, o compromisso com a investigação.
Ao menos um dos alunos de Olavo, o assessor especial do MEC Silvio Grimaldo, insatisfeito com a mudança de funções na pasta, anunciou em sua página no Facebook que pediria exoneração. Segundo Grimaldo, somente pessoas ligadas a Carvalho se tornaram indesejadas no MEC e foram transferidas para cargos que, na prática, são apenas um “prêmio de consolação”.
Foram duas postagens. Na primeira, ele disse que “o expurgo de alunos” de Carvalho foi “a maior traição dentro do governo Bolsonaro que se viu até agora”. Disse ainda que nem as “trairagens” do vice-presidente Hamilton Mourão, com quem Carvalho já trocou farpas, ou do ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno, que deixou o governo após desgaste com Bolsonaro, “chegaram a esse nível”.
Numa segunda postagem, ele esclareceu que não foi expulso do MEC. Grimaldo disse que, durante o Carnaval, foi avisado de que seria transferido para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), “onde deveria enxugar gelo e ‘fazer guerra cultural’.” Assim, “dada a absurdidade da proposta”, e “vendo que o mesmo destino fora dado a outros funcionários ligados ao Olavo (apenas olavetes foram transferidos) e mais alinhados com as mudanças propostas pela eleição de Bolsonaro, não vi outra saída senão comunicar ao ministro meu desligamento pedir minha exoneração, que deve sair nos próximos dias”.
Outro aluno, Murilo Resende, que também tem cargo comissionado no MEC, afirmou ao GLOBO estar surpreso com as postagens de Carvalho. Mas, diferentemente de Grimaldo, disse que, até o momento, pretendia continuar no governo.
– Até o momento sim (pretendo continuar no cargo). Mas vamos ver. Eu também me surpreendi com as postagens hoje, com os fatos que estão sendo relatados. Vamos aguardar como todo mundo para entender melhor o que está acontecendo – disse Resende.
Enquanto a polêmica envolvendo os seguidores de Carvalho ganhava as redes, uma portaria assinada na quinta-feira pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, mas publicada apenas hoje, trazia a exoneração de quatro assessores. O GLOBO, porém, não conseguiu encontrar conexões entre eles e Carvalho.
Para o escritor guru do bolsonarismo, a presença de “inimigos” deveria ser suficiente para fazer os seguidores dele abandonarem seus postos e pretensões junto à administração pública para focarem apenas na “vida de estudos”. “O presente governo está repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo, e andar em companhia desses pústulas só é bom para quem seja como eles”, disse Carvalho”, disse ele em mensagem tornada pública na madrugada de ontem em sua página no Facebook.
Carvalho, que desde 2009 dá aulas em um curso de filosofia online, disse que não era favorável à entrada no governo de pessoas para quem leciona, mas que não havia se posicionado em relação a isso anteriormente porque achou “cruel destruir essa ilusão” dos próprios próprios alunos sobre a gestão de Bolsonaro.
“Jamais gostei da ideia de meus alunos ocuparem cargos no governo, mas, como eles se entusiasmaram com a ascensão do Bolsonaro e imaginaram que em determinados postos poderiam fazer algo de bom pelo país, achei cruel destruir essa ilusão num primeiro momento. Mas agora já não posso me calar mais. Todos os meus alunos que ocupam cargos no governo — umas poucas dezenas, creio eu — deveriam, no meu entender, abandoná-los o mais cedo possível e voltar à sua vida de estudos”, escreveu .
O GLOBO identificou outros alunos de Carvalho no governo, como o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida; o secretário de Alfabetização do Ministério da Educação (MEC), Carlos Nadalim. Nadalim não quis falar com a reportagem. Sachsida não retornou as ligações feitas e mensagem enviada.