Míriam Leitão: Diálogos apequenam a Presidência e a reforma chega no meio do tiroteio

A reforma da Previdência é ambiciosa e chega no meio de um tumulto revelador das intrigas palacianas e após uma derrota na Câmara.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A reforma da Previdência é ambiciosa e chega no meio de um tumulto revelador das intrigas palacianas e após uma derrota na Câmara

A reforma é ambiciosa, tem um sistema de divulgação precário, e vem a público no meio de uma crise que desnudou o governo exibindo uma realidade muito pior do que a imaginada. O presidente Jair Bolsonaro que aparece nos áudios é um governante cercado de rancores e sentimentos de perseguição, preso a questiúnculas e capaz de cancelar uma viagem à Amazônia sem qualquer motivo aparente. Um detalhe da conversa choca mais do que os outros: o momento em que o ex-ministro Gustavo Bebianno diz que sua presença na reunião das quartas-feiras não era permitida pelos militares. Parece sinal de uma Presidência tutelada. Quem deve decidir os participantes de qualquer reunião é o próprio presidente. E não os generais.

Ontem foi também dia de derrota do horroroso decreto presidencial para ampliar o número de funcionários que podem definir como sigiloso os documentos públicos. O decreto é uma espécie de antilei de acesso à informação, que foi tão duramente conquistada pelo país. Espera-se que o Senado confirme a rejeição da Câmara a esse decreto autoritário. Mas a derrotam ai ordo governo ontem foi a divulgação dos áudios e tudo o que eles revelaram.

No Ministério da Fazenda dava-se os últimos retoques da reforma que vai propor desconstitucionalizar a maior parte das regras da Previdência. A ideia é deixar um arcabouço na Constituição remetendo o máximo de definição de normas para lei complementar. Isso facilitaria futuras alterações nas regras.

Para os jovens será criada a possibilidade de se integrar a um modelo novo, que mantém o trabalhador no regi mede repartição, mas ao mesmo tempo cria para ele uma conta virtual em que fica registrado tudo o que ele depositou ao longo da vida, e tudo o que o empregador depositou. Tem o horroroso nome de “sistema nocional”. Ainda não havia certeza ontem à noite se o modelo de capitalização vai entrar nesse projeto. Se entrar, a opção será por esse modelo que mistura repartição e capitalização, mas isso seria apenas para os jovens.

O governo discutiu também uma forma de desvincular os benefícios da Previdência do salário mínimo. Quem tem acompanhado as discussões internas sobre o assunto diz que os últimos dias foram de muita instabilidade na proposta, porque chega-se num acordo entre os técnicos, mas o presidente manda mudar e volta-se à estaca zero.

Para tentar neutralizar as críticas que sempre são feitas aos projetos de reforma da Previdência, serão anunciadas medidas contra as fraudes e providências para a cobrança de dívidas previdenciárias. Outra crítica recorrente é que a reforma pesa mais sobre alguns e poupa outros segmentos profissionais. Os técnicos garantem que todos serão chamados a dar uma parte do sacrifício coletivo para que haja o que eles estão chamando de “Nova Previdência”.

A estratégia de comunicação é a de que apenas os técnicos deem entrevista à imprensa, enquanto o ministro Paulo Guedes e o secretário Rogério Marinho estarão dedicados a explicar aos governadores e aos parlamentares. Até ontem à noite, o que a assessoria garantia é que o ministro Paulo Guedes não estará presente à coletiva de imprensa.

Nunca houve uma reforma dessa magnitude que dispensasse a presença do próprio ministro no esforço de explicação para a imprensa. Eles estão convencidos que estão fazendo tudo certo e que vão conquistar o apoio da população porque saberão explicar melhor do que todos os outros que os antecederam nesta mesma tentativa de reformar a previdência. E confiam na campanha de marketing para divulgar a “Nova Previdência”.

O tumulto político criado pelo governo com a demissão do ministro Gustavo Bebianno agravou-se ontem com a divulgação dos áudios trocados entre ele e o presidente. Os diálogos deixam várias dúvidas: por que mesmo Bolsonaro achava uma viagem de ministros à Amazônia inconveniente? Por que o ministro do Meio Ambiente achava que tinha coisas mais importantes a fazer do que estar na maior floresta tropical do mundo? Uma sucessão de dúvidas surgem daquelas conversas e uma certeza: o presidente Jair Bolsonaro não entendeu ainda a natureza e a dimensão do cargo que ocupa. Ele apequena a Presidência.

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