Há cerca de uma centena de pessoas com origem nas Forças Armadas atuando em cargos decisórios
“Seguindo a determinação de transparência e responsabilidade com os recursos públicos, prioridade em nosso governo, a ministra Damares Alves realizará auditoria dos benefícios suspeitos concedidos a ‘vítimas da ditadura’ nos últimos anos pela Comissão da Anistia”. Assim determinou o presidente Jair Bolsonaro, agora em pleno exercício de suas funções em Brasília, por decreto no Twitter. Embora seu ministro Paulo Guedes esteja empenhado na reforma da Previdência, esse sim o verdadeiro compromisso com a transparência e com os recursos públicos, o presidente escolheu enfatizar a caça às bruxas da ministra pastora. Ironia pouca é bobagem.
Vejam as palavras escolhidas pelo capitão da brigada democrática brasileira composta por generais de estrelas variadas: os benefícios concedidos são suspeitos. As vítimas da ditadura estão entre aspas, supostamente ou porque não são consideradas vítimas ou porque não houve ditadura no País como afirmam os revisionistas cuja cautela se foi após a vitória de Jair. Será Damares, a ministra pastora que advertiu famílias com filhas para deixarem o Brasil em clara demonstração de que não confia lá muito na capacidade do governo para o qual trabalha de entregar promessas de campanha no âmbito do combate ao crime e à violência, a encarregada de dar maior transparência e credibilidade aos recursos públicos perseguindo vítimas da ditadura. Apenas para sublinhar fatos, o Brasil teve ditadura e vítimas da dita cuja.
São tuítes decreto como esse que ganham imensa atenção nas redes sociais. Referências à reforma da Previdência não têm lá muita graça. Estados brasileiros que declararam recentemente calamidade financeira tampouco são merecedores de atenção. Legal mesmo é ver o filho de Bolsonaro brigar abertamente no Twitter com o presidente da sigla que ainda ocupa, fritando-o antes que o pai pudesse emitir palavra. A lavação de roupa suja da semana passada que terminou com a saída de Gustavo Bebianno do governo junto com as novas atribuições de Damares deixam claro que as urgências do governo Bolsonaro passam bem longe do ajuste das contas públicas brasileiras sem o qual os sonhos do mercado financeiro e, mais do que isso, de milhões de brasileiros não se concretizaram assim tão facilmente. Bolsonaro já deu sinais de sobra de que prefere as intrigas às medidas, talvez porque não entenda muita coisa de medidas, sobretudo as econômicas como ele próprio já admitira.
Deturpadas as urgências, segue a ocupação militar do governo Bolsonaro apresentando inovação inédita na América Latina: com 8 ministros generais, incluindo o general Floriano Peixoto instalado no cargo de Bebianno, o Brasil é o primeiro país da região a formar um governo militar democraticamente eleito. Ou melhor, um governo militar-cristão. Afinal, comecei esse artigo com Damares e vi a foto deslumbrante do Twitter com os três ministros ferrenhamente religiosos quase abraçados – o trio Damares-Ernesto-Ricardo.
De acordo com o jornal gaúcho Zero Hora, há cerca de uma centena de pessoas com origem nas Forças Armadas no governo de Jair Bolsonaro. Atuam em cargos decisórios de primeiro escalão, em gerências na Petrobrás, Eletrobrás, e Zona Franca de Manaus, além da gestão de recursos hospitalares, segurança pública e por aí vai. O Exército concentra o maior número de cargos nos três escalões, segundo o Zero Hora. Há 29 oficiais-superiores com patente acima da do presidente: 18 generais e 11 coronéis. Não por acaso, as redes sociais já nos ensinam saudações militares que qualquer civil, hoje, deveria saber para não ser alvo de chacotas ou ataques pessoais. A utilizada na semana passada por Bolsonaro para saudar seu vice-presidente, algoz de seus filhos ambiciosos, é uma delas. Selva!
Selva, leitores! Esse, afinal, é o Brasil que herdamos das urnas em 2018. Na selva, será mais complicado do que se imagina fazer as reformas de que o Brasil necessita, mais difícil será crescer em ritmo suficiente para reduzir rapidamente o desemprego. Mas, isso não importa. O que importa é observar de perto os protagonistas do reality show Survivor com tonalidades unicamente tupiniquins.
*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University