Apesar de eficaz, a liberdade de transação penal, a plea bargain norte-americana, sofre críticas, tanto lá como cá, especialmente de advogados, para quem ela constitui uma restrição ao direito de defesa e um caminho para o encarceramento em massa, que de fato ocorreu nos EUA, mas não necessariamente por este motivo: aquele país se convenceu de que mais prisões implicam automaticamente menos crimes; criaram-se inúmeros mecanismos tanto para ampliar o número de acusados como para tornar as condenações mais prolongadas, mas, em uma análise isenta, a plea bargain não parece ter tido maior contribuição para o problema.
Todos preferimos adiar nossos problemas: melhor dois marimbondos voando que um na mão. Mesmo um culpado não aceitará ir imediatamente para a cadeia a não ser que perceba não haver a menor chance de escapar do castigo. Mais difícil ainda será convencer um inocente a confessar um crime que não cometeu, apenas porque todas as provas parecem incriminá-lo. Além disso, a transação penal depende da concordância da defesa e da homologação do juiz. Apenas, é claro, precisaremos tomar o cuidado de não passarmos a pensar como consta em um certo manual da Inquisição: “o papel do advogado de defesa é convencer o réu a confessar”.
A plea bargain tende, realmente, a aumentar inicialmente o número de encarcerados, mas apenas porque antecipará condenações que só ocorreriam daqui a um ano. Portanto, depois de um prazo semelhante, essa influência tende a diminuir e depois se inverter gradativamente, em primeiro lugar porque as penas serão muito menores (essa é a contrapartida oferecida pela acusação); em segundo, porque a punição aplicada evitará que o réu, respondendo ao processo em liberdade sem ter recebido nenhuma sanção, possa e se sinta encorajado a reincidir, tantas e tantas vezes até que o Estado perca a paciência e o mantenha preso de vez.
Portanto, não são fundados os temores de que essa medida venha a aumentar sistematicamente a superlotação dos presídios e muito menos a condenação de inocentes. Mesmo assim, recomenda-se ao Ministério Público prudência na sua aplicação, aos juízes critério na sua fiscalização e, principalmente, aos advogados, muita vigilância e combatividade para apenas avalizar acordos adequados. A plea bargain só ficará realmente perigosa quando começamos a achar que ela não o é.
Henrique Geaquinto Herkenhoff é professor do Mestrado em Segurança Pública da UVV