Elio Gaspari: A rebelião do andar de cima

Quem se encantou pela franquia Bolsonaro achando que se livraria das bandeiras do corporativismo petista, não sabia o tamanho do ativismo do andar de cima. O presidente anunciou que “vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil”. Todos, não.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Quem se encantou pela franquia Bolsonaro achando que se livraria das bandeiras do corporativismo petista, não sabia o tamanho do ativismo do andar de cima. O presidente anunciou que “vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil”. Todos, não.

Desde sua eleição, o governo foi confrontado por três movimentos corporativos. Cedeu em dois e é provável que a Procuradoria-Geral da República cederá no terceiro. Em todos os casos mobilizaram-se servidores do andar de cima, gente com salários mensais que vão de R$ 20 mil a sabe-se lá quanto.

A primeira rebelião veio dos procuradores da Fazenda Nacional. Paulo Guedes queria colocar um diretor do BNDES na cadeira de procurador-geral. A corporação rebelou-se, avisando que centenas de procuradores abandonariam seus cargos em comissão, pois o procurador-geral deveria ser escolhido no quadro da instituição. Ganharam.

O segundo confronto deu-se com os auditores da Receita Federal. A Agência Nacional de Aviação queria que eles cumprissem a norma da revista ao entrarem em áreas restritas dos aeroportos. Os descontentes mostraram seu desagrado apurrinhando a vida de milhares de passageiros, obrigando-os a esperas de até quatro horas nas filas das alfândegas. Resolveram inspecionar todas as malas desses supostos contrabandistas. No dia seguinte três ministérios foram acionados e o governo cedeu.

A terceira rebelião veio dos procuradores da República. Até a última terça-feira, 192 doutores devolveram 325 funções não remuneradas. Eles apresentam reivindicações técnicas, nas quais está embutida uma questão salarial, escondida nos penduricalhos de uma categoria que ganha, no barato, R$ 25 mil líquidos. Por trás dessa rebelião está o painel da sucessão da procuradora-geral, Raquel Dodge. A batalha ainda não terminou. Até hoje, magistrados e procuradores ganharam todas.

Ativismo do andar de cima é outra coisa.

Nos EUA mexe-se na ‘Bosta Seca’
Oito em cada dez magistrados brasileiros querem importar o instituto saxônico do “plea bargain” sem que exista sequer tradução consolidada dessas palavras para o português. O ministro Sergio Moro fala em “solução negociada”. Trata-se de aceitar que um réu reconheça sua culpa, negocie um acordo com o Ministério Público e obtenha alguma leniência do juiz.

Muito bonito na teoria, mas a prática será outra. O Brasil importou o mecanismo da delação premiada e criou o monstrinho da doutrina da “Bosta Seca”. Em 2015, quando o doleiro Alberto Youssef disse numa audiência em Curitiba que um outro réu mentira em sua delação e ofereceu-se para uma acareação, um procurador disse que “esse é o tipo de coisa que quanto mais mexe, pior fica”. Em seguida, ouviu-se: “É igual a bosta seca: mexeu, fede”.

Os pacotes de bosta foram remetidos às instâncias superiores e poucas delações foram anuladas por serem mentirosas. O direito saxônico funciona melhor que o brasileiro, mas a pirataria de mecanismos obrigará orquestras de frevos a tocar rock. Na semana passada a juíza americana Amy Jackson, que está com um dos processos que infernizam a vida de Donald Trump, mostrou como as coisas funcionam por lá. Em junho ela mandou para a cadeia Paul Manafort, o poderoso chefe da campanha eleitoral do presidente. Em setembro ele se declarou culpado e fez um acordo de colaboração. Em novembro o procurador Robert Mueller Jr. informou à juíza que Manafort mentiu em diversos pontos de sua confissão.

A juíza estudou o caso, entendeu que ele mentiu e desobrigou-se de tratá-lo com leniência. Manafort, de 69 anos, está com a saúde em pandarecos. A sentença virá em março e ela pode lhe dar até dez anos de prisão. Manafort, um dos homens mais poderosos de Washington, dificilmente sairá vivo da cadeia.

A PRIVACIDADE DE MORO
Em Brasília, o ministro Sergio Moro foi do noviciado ao folclore em menos de dois meses. Quando lhe perguntaram se, dias antes da edição do decreto que facilitou a posse de armas, encontrou-se com hierarcas da indústria Taurus, deu a seguinte resposta: “O direito à privacidade, no sentido estrito, conduz à pretensão do indivíduo de não ser foco de observação de terceiros, de não ter os seus assuntos, informações pessoais e características expostas a terceiros ou ao público em geral.”

Madame Natasha intrigou-se com a vontade de Moro de ficar fora das vistas do “público em geral”. Mandava melhor Armando Falcão, seu antecessor de 1974 a 1979, com o famoso bordão “nada a declarar”. Faltou sorte a Moro. Na mesma semana a Alta Corte do Reino Unido julgou o caso dos endinheirados proprietários de um prédio vizinho ao museu Tate, que reclamavam porque binóculos colocados no terraço devassavam suas casas. O juiz Anthony Mann mandou-os passear e sugeriu que fechassem as cortinas ou baixassem as persianas.

OS BOLSONAROS
O Brasil vai completar 200 anos e já teve de tudo, governantes larápios, senis e mesmo com famílias rapaces, mas nenhum deles tentou institucionalizar suas proles. Getulio Vargas deu corda a um irmão e ele foi associado à sua deposição de 1945 e ao suicídio de 1954. Um filho deputado também não o ajudou. D. Pedro II, chefe de uma dinastia, aturou um cunhado italiano e perdulário, mas manteve-o longe. O genro, príncipe consorte, também não lhe trouxe fortuna. Nomeando-o comandante das tropas que guerreavam o Paraguai, alimentou a nociva intriga política segundo a qual a Coroa tentava obscurecer a figura do Marquês de Caxias, seu antecessor.

Pela primeira vez, a família de um presidente participa institucionalmente da vida política do país. Os três filhos de Bolsonaro têm mandatos populares, mas isso nunca deu certo.

A KOMBI DE BEBIANNO
Quando a equipe que carregava a candidatura presidencial de Jair Bolsonaro cabia numa Kombi, Gustavo Bebianno era o motorista. Como o sapo que não percebe o vagaroso aquecimento da água de uma panela, ele não reagiu ao início de sua fritura. Passou de provável ministro da Justiça a possível chefe da Casa Civil, mas acabou numa desidratada Secretaria-Geral da Presidência. O doutor deixou-se ferver.

O LIMITE DE GUEDES
Guedes pode muito, mas não deve mexer com o agronegócio sem combinar com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. A lealdade do pessoal que sustenta a doutora tem uma solidez que não existe na turma do papelório.

LULA EM CASA
Cresceu a ala de comissários petistas interessados em sondar magistrados para saber como seria recebido um pedido da defesa de Lula para que ele fosse transferido para o regime de prisão domiciliar.

ELETROSURINAME
A Enel, ex-Eletropaulo, interrompeu três vezes o fornecimento de energia na região da Avenida Paulista. Em todos os casos foram aquelas piscadas que fazem a alegria das empresas que consertam equipamentos danificados.

Seria boa ideia que ela investisse nessa área.

Privacy Preference Center