Era impossível ouvir Boechat sem rir de uma ou de muitas de suas tiradas, depende do quanto tempo você ficasse ouvindo o seu programa
Além de um grande jornalista, um excelente comentarista e um extraordinário apresentador, sobretudo de rádio, Ricardo Boechat era um cara muito bem-humorado. Seu programa matinal na rádio BandNews FM era onde ele melhor extravasava seu enorme senso de humor. Ele conseguia fazer graça mesmo de coisas seriíssimas, como os sucessivos escândalos do mensalão e da Petrobras.
Era impossível ouvir Boechat sem rir de uma ou de muitas de suas tiradas —depende do quanto tempo você ficasse ouvindo o seu programa que era transmitido diariamente ao vivo. Boechat entrava ao ar cedo, em rede, e, depois das 10h, era mais solto, extrovertido e bem-humorado, quando ficava no ar apenas para os ouvintes do Rio de Janeiro.
Mas esse humor que o distinguia dava rapidamente lugar ao escracho, quando Boechat narrava as torpezas do cotidiano. Seu humor de altíssima qualidade rapidamente cedia espaço à ira de trovão que o jornalista soltava sempre que ele julgava que a situação merecia.
Boechat então não tinha papas na língua. Atacava impiedosamente quem quer que fosse, do presidente da República ao guarda de trânsito, que fazia uma “blitz canalha para levantar um trocado” engarrafando vias da cidade. Usava a linguagem que o leitor usaria no seu dia a dia, e isso acrescentava tonalidades de verdade e honestidade ao comentário de Boechat. “Pau neles”, costumava dizer, antes de desfiar rosários de ataques ao malfeitores públicos e privados que apareciam no noticiário comentado diariamente por ele.
Com a bagagem que tinha, recolhida em tantos anos no colunismo do jornal impresso brasileiro, Ricardo Boechat era daquele tipo de gente que sabe de tudo. Ele conseguia tratar de qualquer assunto com a mesma desenvoltura, aquela que a rádio exigia. Podia ser temas como orçamento do submarino nuclear construído pela Marinha ou custo de um saco de pipoca vendido na porta de um cinema. De todos os eles, Boechat tirava uma sacada própria, uma observação inusitada, uma derivação exclusiva para os seus ouvintes, leitores, telespectadores.
Dizer que ele era um jornalista e tanto é pouco. Boechat era uma figura e tanto. Seus companheiros na rádio vão sofrer muito para superar a sua ausência. Seus ouvintes certamente terão o sentimento da orfandade a partir de hoje.