O diretor da Agência de Mineração mostrou a fonte do desastre de Brumadinho: a barragem do cartel das empresas
Eduardo Leão, diretor da Agência Nacional de Mineração, reconheceu numa entrevista ao repórter Nicola Pamplona que “tanto a questão de barragens quanto a questão das multas já foram pauta no Senado e realmente não andaram”. Ele acredita que “tenha tido algum lobby para arquivar esses projetos”.
Ex-funcionário da Vale, Leão acrescentou: “Infelizmente, tem empresas sérias, que a gente conhece, que em algum momento acabam formando um cartel que não permite esses avanços”.
Não podia ter sido mais claro. As mineradoras blindaram-se. Um projeto que elevaria o teto das multas para R$ 30 milhões foi arquivado, e elas continuaram fazendo o que acham melhor, com multas de R$ 3.600. (Um motorista que bebeu paga R$ 2.934.)
Num paralelo que vem do comportamento das empreiteiras quando começou a Lava Jato, o cartel das mineradoras precisa se livrar do pessoal da gastrite, ouvindo os oncologistas.
Os poderosos empresários tinham dores no estômago e tratavam da gastrite até que foram todos para a cadeia. Diante da realidade da Lava Jato, foram aos oncologistas e tiveram outro diagnóstico: “Os senhores têm câncer no estômago, precisam passar por uma cirurgia e em seguida irão para a quimioterapia. Será um sofrimento e não posso dizer que ficarão curados”.
Sofreram o diabo, mas estão soltos.
Horas depois do desastre de Brumadinho, o presidente da Vale, FábioSchvartsman, deu uma entrevista na qual admitiu que não sabia porque as sirenes da barragem ficaram em silêncio. Sete dias depois, informou que “a sirene foi engolfada pela queda da barragem antes que ela pudesse tocar”. Schvartsman entrou no modo gastrite, pois sirenes tocaram dois dias depois, quando houve risco de rompimento de outra barragem.
Os doutores da gastrite não põem a cara na vitrine e escalam os marqueses para o papel de bobo. Essa atitude decorre de um sentimento de onipotente impunidade. (Quem se lembra das respostas arrogantes de Marcelo Odebrecht no início da Lava Jato sabe o que é isso.)
Na sua primeira entrevista, Schvartsman mostrou que a empresa alemã Tüd Sud atestou em dezembro a estabilidade da barragem de Brumadinho. Era verdade, e o laudo jogou a Tüd na lama. Agora, o engenheiro Makoto Namba, signatário do parecer, diz que se sentiu pressionado pela Vale para assiná-lo. Até aí, tudo seria uma questão subjetiva. A Polícia Federal mostrou a Namba uma troca de mensagens inquietantes de funcionários da Vale para colegas da Tüd, ocorrida dois dias antes do desastre, e perguntou-lhe o que faria se o seu filho estivesse na barragem. Ele respondeu: “Após a confirmação das leituras, ligaria imediatamente para seu filho para que evacuasse do local bem como que ligaria para o setor de emergência da Vale responsável pelo acionamento do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração para as providências cabíveis”.
A Vale está atarantada no varejo porque seu comportamento no atacado orienta-se pelo protocolo da gastrite. O problema das empreiteiras estava no câncer do cartel, acima do varejão das propinas. Felizmente, quem usou a palavra demoníaca pela primeira vez foi o diretor da Agência Nacional de Mineração.
O passado e o futuro da imprensa
Para quem se preocupa com o futuro da imprensa ou sente sono quando ouve que o cheiro de tinta é agradável, saiu nos Estados Unidos um bom livro. É “Merchants of the Truth” (“Mercadores da Verdade – O Negócio da Notícia e a Luta pelos Fatos”), de Jill Abramson. Ela dirigiu o New York Times de 2011 a 2014, quando foi demitida.
O livro está debaixo de chumbo, mas é uma competente narrativa do que aconteceu com a imprensa desde que surgiram a internet, os sites e o iPhone. Abramson conta as histórias no New York Times, do Washington Post e dos sites BuzzFeed e Vice. De um lado estavam os donos do mundo, investido-se de um direito divino para decidir o que devia ser lido. Do outro, adoradores da internet, cabeludos, alguns bêbados ou drogados e quase todos pobres. O New York Times chegou à beira da falência, e o Post foi vendido a Jeff Bezos. Os cabeludos viraram bilionários e pareciam os senhores de um novo tempo.
Quando a internet era uma criança, um dos editores de Post lembrou que, se um sapo for colocado numa panela com água aquecida aos poucos, ele será cozinhado sem mover uma pata, pois seu sistema nervoso não registra a lenta evolução da temperatura. Ninguém o ouviu, e ele foi trabalhar num site. Centenas de jornais ferveram.
O New York Times luta bravamente para sair da panela e conseguiu 3,3 milhões de assinantes digitais. O Post voltou a ser um grande jornal. Com frequência, festeja-se que Bezos contratou cem jornalistas. Falta lembrar que ele teve 80 engenheiros na empresa.
A internet mudou a cabeça dos editores, quebrou barreiras na publicidade, impôs a métrica de audiência para as redações e, onde se falava em leitor, fala-se em clique. Jornalistas passaram a enfeitar eventos.
Abramson conta essa história com graça e a dose certa de fofocas. Tudo isso e mais a campanha de Donald Trump. Seu rancor da demissão é contido e ela circulou num evento junto com o patrão que a mandou embora. Se Jill Abramson tivesse conhecido Zózimo Barroso do Amaral, diria: “Enquanto houver repórteres, haverá esperança”.
Faz tempo, o bilionário Warren Buffet ensinou que quando aparece uma tecnologia nova é arriscado investir nela, pois quase todos os primeiros fabricantes de automóveis faliram. O que se deve fazer é abandonar a velha. No caso, vender os cavalos das carruagens. Buffet recusou-se a salvar o Times quando ele estava quebrando. (Salvou-o o bilionário mexicano Carlos Slim.)
Abramson mostra como o Times e o Post estão na luta, sem tentar fabricar carros puxados por cavalos ou alimentando os bichos com gasolina.
CNPJ geral
De um sábio que entende de leis:
“Ao nominar o PCC e outras facções de criminosos, o ministro Sérgio Moro deu-lhes um verdadeiro CNPJ”.
Solução popular
Pode-se estimar que a proposta de importação do mecanismo americano das soluções negociadas entre os réus e o Ministério Público tem o apoio de 9 entre 10 magistrados.
Registro
O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, anunciou que o governo não conseguirá zerar o déficit fiscal neste ano.
Ele sempre soube disso, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi avisado ao vivo e a cores que a sua promessa de campanha era inviável.
Fantasias
O Carnaval vem aí, mas os hierarcas da República já criaram um código de fantasias.
Em ocasiões solenes, vestem faixas acetinadas. O governador Wilson Witzel mandou fazer uma, azul celeste.
Quando querem mostrar que estão trabalhando, vestem coletes. O de Witzel é laranja.