Aos cuidados de Renan
Dê no que der, hoje, as eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, o governo do presidente Jair Bolsonaro sairá derrotado. Os candidatos mais fortes para vencer, Rodrigo Maia (DEM) na Câmara, e Renan Calheiros (PMDB) no Senado, não foram escolhas do capitão, nem dos que o cercam no Palácio do Planalto.
Rodrigo e Renan construíram suas prováveis vitórias. Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil da presidência da República, fez tudo para atrapalhar a vida dos dois. Tentou emplacar nos cargos outros nomes. E só procedeu assim porque Bolsonaro permitiu ou não ligou. Rodrigo conquistou a bancada de Bolsonaro à revelia dele. Renan, também.
O que se viu ontem à noite foi mais uma trapalhada do governo que acabou virando também um vexame. Tão logo soube que Renan havia ganhado a indicação oficial do PMDB para candidato à presidência do Senado, Bolsonaro, do hospital, telefonou para ele, parabenizou-o e pediu para encontrá-lo na próxima semana. Foi um Deus nos acuda no Congresso e no governo.
E os demais candidatos que se dizem dispostos a enfrentar Renan logo mais à tarde? Porque ao telefonar só para Renan, Bolsonaro dava por liquidada a eleição no Senado. O capitão, mesmo impedido de falar muito, começou a telefonar paras os demais candidatos à presidência do Senado e também para todos os candidatos à presidência da Câmara.
Muitos deles jamais haviam falado com Bolsonaro desde que ele assumira a presidência da República. Um deles, o senador Espiridião Amin (PP-SC), espantou-se com a ligação e contou mais tarde que Bolsonaro quis até falar com sua mulher. Sabe-se que Bolsonaro não falou com todos. Mas todos passaram a dizer que falaram com ele.
Bolsonaro cometeu o grave erro, evitado pela maioria dos presidentes que o antecederam, de não cuidar de partida de suas relações com o Congresso. Montou sua base de apoio entre os militares, seus ex-companheiros de farda e de aventura, entre os ultraconservadores que o apoiaram, entre os amigos com quem tinha dívidas, mas entre deputados e senadores, não.
Deve ter imaginado que eles acabariam do seu lado por gravidade. Ou então que poderia dar-se ao luxo de só se preocupar com eles mais adiante, faturando por enquanto imagem de um presidente empenhado em inaugurar uma nova política. Aí foi atropelado pela velha quando foram descobertos os rolos da dupla dinâmica Flávio e Queiroz.
O caso atingiu-o em cheio, tomando-lhe a bandeira da ética que lhe rendera tantos votos. Não se trata apenas de uma nova forma de caixa dois alimentado com dinheiro de funcionários de assembleias legislativas. Trata-se da suspeita de que diretamente ou por meio de Queiroz, os Bolsonaros sempre foram ligados a milicianos no Rio de Janeiro. Miliciano rouba e mata.
Rodrigo, Renan ou os que se elegerem se no lugar deles ajudarão o governo a aprovar suas principais medidas econômicas porque concordam com elas, não por deferência ou apoio incondicional ao governo. Mas discordarão de medidas para outras áreas que são igualmente tão caras aos sonhos do capitão. Aí só negociando, só cedendo, só dando algo em troca.
O mandato de Bolsonaro é de quatro anos. O de Renan, por exemplo, é de oito. Renan poderá salvar o mandato de Flávio, como já se ofereceu para fazer. Mas o filho de Renan precisa que não lhe falte dinheiro para governar Alagoas nos próximos quatro anos. Trocar a salvação de um filho pela salvação do outro até que sairia barato para Bolsonaro. Mas Renan costuma cobrar caro.
Olavo x Mourão
Quem fala pelo clã dos Bolsonaro
Nos primeiros 30 dias de um governo, nunca antes na história deste país um vice-presidente da República conseguiu tanto eclipsar o titular do cargo como está fazendo o general Antônio Hamilton Martins Mourão, de codinome “Morzão” entre jornalistas do eixo Rio-São Paulo-Brasília
Daí a revolta velada contra ele de parte da família Bolsonaro. Daí Mourão ter se tornando alvo de ataques furiosos no Facebook disparados pelo ex-astrólogo Olavo de Carvalho, mentor intelectual de Jair e, dos seus filhos, guru de hordas de bolsonaristas. Daí o incômodo do capitão recolhido a um hospital.
Foi por isso que Bolsonaro, ainda impossibilitado de falar sob o risco de complicações médicas, ter se apressado em reassumir o cargo ainda em um leito do hospital Albert Einstein, em São Paulo. Além do protagonismo de Mourão, Bolsonaro não assinaria em baixo de várias declarações feitas por ele.
Bolsonaro não seria tão cuidadoso como está sendo Mourão ao falar sobre a situação interna da Venezuela. Não teria sido compreensivo com o gesto do deputado Jean Wylys de renunciar ao mandato depois de ameaças à sua vida. E não diria que a ida de Lula ao velório do irmão seria um gesto humanitário.
No caso de Lula, além de ter faturado pontos junto à oposição, Mourão revelou-se em linha com o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, que autorizou a ida de Lula ao velório, embora apenas a 4 minutos de o corpo ser enterrado. A autorização perdeu o sentido.
Entre sábado e ontem no Facebook, Olavo destratou Mourão duas vezes. Como Mourão reagiu à primeira com um comentário sarcástico (“Quem se importa com as opiniões do Olavo?”), o homem que indicou os ministros das Relações Exteriores e da Educação elevou o tom de sua fúria.
Mourão voltou a apanhar de Olavo por ter recebido em audiência o embaixador palestino Ibrahim Alzeben: “Enquanto os israelenses socorriam as vítimas da tragédia de Brumadinho, o Mourão estava trocando beijinhos com a delegação palestina, prometendo que a nossa embaixada não vai mudar para Jerusalém”,
Olavo bateu mais: “Se dependermos de tipos como Paulo Chagas [que disputou o governo do Distrito Federal] e Mourão, em menos de um ano a quadrilha petista estará de volta, amparada nos serviços secretos da Rússia e da China”. Valer-se do PT para causar assombro é um clássico de Olavo. Mas quem se importa com as opiniões dele?
Bolsonaro se importa.