Quando se trata de documentos oficiais, a lógica deve ser a da publicidade
Jair Bolsonaro chegou à Presidência prometendo uma nova era de transparência administrativa. Instalado no governo, deixou para seu vice o abacaxi de assinar um decreto que reduz essa transparência.
É fácil criticar o presidente pela incongruência entre o prometido e o efetivado. E ele merece as reprimendas que recebeu. Receio, porém, que o problema seja mais geral. Desconfio até que alguém ponha algo na água servida no Planalto que torna seus consumidores refratários à publicidade governamental.
Fernando Henrique Cardoso, cujas credenciais democráticas são mais puro-sangue que as de Bolsonaro, assinou, no finalzinho de sua administração, um decreto ainda pior, que criava a figura do sigilo eterno (o segredo poderia ser renovado indefinidamente). Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, manteve a disposição fernandina, apesar dos apelos em contrário.
A coisa só mudou com Dilma Rousseff, sob cuja gestão foi aprovada e regulamentada a Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/11), que cria mecanismos para que qualquer pessoa requisite e obtenha quaisquer documentos que não estejam sob sigilo. Foi uma bola dentro de Dilma e devemos reconhecer isso. É pena que o compromisso com a transparência exibido aí não a tenha impedido de manipular dados econômicos para assegurar a reeleição.
Não precisamos chegar ao extremo de militar pelo fim dos segredos. Um mundo de transparência total seria um inferno. O que seriam da amizade e do amor se não pudéssemos contar com a discrição de amigos e amantes? A própria sociedade não funcionaria direito sem sigilos médico, bancário, de fonte etc.
Essas, contudo, são relações que dizem primordialmente respeito a pessoas agindo na esfera privada. Quando se trata de documentos oficiais, a lógica, exceto por poucos e excepcionalíssimos casos, deve ser a da publicidade. Não dá para privar um povo da matéria-prima com a qual ele escreve a própria história.