Que a tragédia sirva para fiscalização mais severa
Mais uma vez os brasileiros se deparam com um acidente causado por uma mineradora, a Vale, afetando de maneira imperdoável o meio ambiente e condenando dezenas de pessoas à morte e a perdas irreparáveis. Os resultados, bem sabemos na prática desde a tragédia de Mariana, impactam não só os envolvidos diretamente, como trazem perdas à biodiversidade e poluições múltiplas que prejudicam a saúde e a qualidade de vida de milhares de pessoas.
A cena se repete porque o descaso se repetiu, e a ameaça não se restringe a esse evento, mas a outros em diversos locais onde megaempreendimentos foram realizados por esta e outras empresas, que precisam olhar com mais rigor para as consequências de suas atividades no que tange à integridade socioambiental.
O desastre que nos custa vidas, entretanto, não necessariamente ensina como deveria. Não aprendemos com os eventos duramente vivenciados, e tudo pode piorar com a perspectiva anunciada de flexibilização dos licenciamentos ambientais em benefícios de empresas por meio de acordo com governos nas esferas estadual e federal, que exploram recursos naturais em todo nosso país.
Não é possível imaginar o que poderá acontecer se o autolicenciamento for implantado como política pública, pois os danos tenderão a ser ainda mais graves. Se com procedimentos de licenciamento mais rigorosos que visam exatamente controlar e evitar tais tragédias, elas ainda ocorrem, o que esperar com menor rigor técnico que evite licenciar empreendimentos que podem representar maiores riscos?
Na Amazônia, por exemplo, áreas protegidas em Unidades de Conservação e terras indígenas ficariam ainda mais vulneráveis, especialmente por ser região cobiçada por seus minérios, que poderão ser explorados de forma questionável, caso o afrouxamento das licenças ambientais venha a ser realidade. É inconcebível ampliar os riscos das águas dos rios mais volumosos do mundo, se forem perdidas por uma contaminação devastadora como a que aconteceu em Minas Gerais.
Atualmente, alçadas injustamente ao posto de vilãs, como instituições que barram o desenvolvimento econômico do país, as organizações socioambientais sem fins lucrativos possuem conhecimentos técnicos e experiência de longo prazo para preverem as ameaças aos ambientes que são explorados de maneira insustentável. Agem junto aos órgãos ambientais para salvaguardar a integridade ambiental e trazer maior equilíbrio à qualidade de vida humana nos locais onde esses empreendimentos ocorrem.
As ONGs, como são chamadas, atuam não para atrapalhar e empatar o progresso, mas para garantir a verdadeira sustentabilidade socioambiental em longo prazo, em benefício da coletividade. Muitas trabalham para que essa flexibilização não ocorra, com vistas a preservar a vida seja de gente, florestas e animais, evitando mais Marianas e Brumadinhos. É preciso que a sociedade brasileira esteja atenta ao papel fundamental dessas organizações frente aos desafios ambientais que afetam a vida de todos e que seja mais uma frente de apoio na cobrança por maior seriedade no cumprimento das leis.
Em um país com uma das maiores riquezas biológicas e abundantes recursos naturais, temos falhado também de forma abundante. Não bastam discursos em cenários internacionais proeminentes proclamando que nos preocupamos com essa riqueza, se não nos comprometermos com ela. Falta a percepção de que somos natureza e dela dependemos para termos uma vida sadia e em equilíbrio.
Lamentamos profundamente todo esse episódio devastador, nos solidarizamos com as famílias envolvidas, mas esperamos, acima de tudo, que as leis sejam mais severas, ao contrário das propostas vigentes de afrouxamento. Que os crimes ambientais sejam tratados com a seriedade que merecem e que a sociedade não venha a pagar um preço tão alto pela irresponsabilidade de nossos tomadores de decisão.
Suzana Padua
Doutora em desenvolvimento sustentável pela UnB e presidente do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas)
Paula Piccin
Jornalista e coordenadora de comunicação do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas)