Quem viu a reação do PT diante das denúncias de corrupção acha que está num pesadelo, pois a música é a mesma
A corrida do senador eleito Flávio Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal teve dois objetivos. O primeiro foi travar a investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro em torno dos “rolos” de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
Daqui a poucos dias, o ministro Marco Aurélio Mello liquidará essa questão, destravando-a. O segundo, essencial, é a tentativa de anular as provas conseguidas pelos procuradores. Que provas? Isso não se sabe, pois o caso corre em segredo de Justiça e até bem pouco tempo Flávio Bolsonaro repetia que não está sendo investigado.
A nulidade das provas é o sonho de todo réu. Na última catedral da impunidade, a Operação Castelo de Areia virou pó conseguindo-se anular as provas de que o Sol das roubalheiras nascia na caixa das empreiteiras. Depois dela vieram a Lava Jato, Sergio Moro e deu no que deu.
Desde que os “rolos” de Queiroz se tornaram públicos, todos os seus movimentos ofenderam a boa-fé do público. Não atendeu a duas convocações do Ministério Público, passou por uma cirurgia e deixou-se filmar dançando. Já o senador eleito Bolsonaro considerou “plausíveis” as explicações que recebeu do ex-assessor. Que explicações?
Quem acompanhou a reação do comissariado petista diante das denúncias de corrupção nos governos petistas acredita que está num pesadelo. A melodia dos poderosos é a mesma. Onyx Lorenzoni diz que a oposição busca um terceiro turno.
Em 2011, Dilma Rousseff disse a mesma coisa quando surgiu o rolo do patrimônio de Antonio Palocci, chefe de sua Casa Civil. A letra do samba é muito diferente, porque os “rolos” de Queiroz são cascalho quando comparados com as propinas bilionárias que rolaram durante o consulado dos comissários.
O pesadelo estraga o sono de milhões de pessoas que votaram contra a roubalheira, o blá-blá-blá e a resistência dos petistas a uma autocrítica.
Todas as explicações dadas até agora partem da premissa de que a plateia é boba. Por exemplo: Fabrício Queiroz deixou de ser assessor de Flávio Bolsonaro no dia 16 de outubro, logo depois do primeiro turno da eleição, para cuidar do seu processo de aposentadoria.
Por coincidência, sua filha, personal trainer no Rio e assessora de Jair Bolsonaro em Brasília, foi exonerada no mesmo dia. (A essa altura a Polícia Federal já sabia que o Coaf estranhara a movimentação financeira de Queiroz.)
Travas, silêncios, segredo de Justiça, corrida à “porcaria” do foro privilegiado e pedidos de nulidade das provas só servem para alimentar murmúrios maliciosos.
Os promotores não têm pressa, só têm perguntas.
O MEM DE SÁ DA AVENIDA FOI DONO DO BRASIL
A história de Pindorama é linda e pouco conhecida. Depois de d. Pedro 2º e Getúlio Vargas, o homem que por mais tempo governou o Brasil foi o juiz Mem de Sá, que mandou de 1557 a 1572. Recebeu a colônia em completa desordem, expulsou os franceses do Rio de Janeiro, guerreou com os índios, mandou em tudo o que podia e morreu no cargo, riquíssimo, com 2.000 cabeças de gado e dois grandes engenhos de açúcar. Fundou uma dinastia que dominou o Rio por mais de um século, ligando a cidade à política e à economia da região do rio da Prata. Seu sobrinho reconquistou Angola, tomada pelos holandeses.
Não se conhece seu rosto e sua memória está preservada em Salvador, num túmulo, e no Rio, numa bonita e decadente avenida do centro. Mem de Sá ganhou algumas biografias, menores que sua obra. Esse defeito foi corrigido com a publicação, em 2017, da tese de doutorado “Mem de Sá, um precursor singular no Império quinhentista português” da professora Marise Pires Marques, da Universidade Nova de Lisboa. Felizmente, o livro está na rede e de graça.
Num prodigioso trabalho de pesquisa (centenas de documentos manuscritos, 1.439 notas de pé de página), a professora reconstruiu o personagem e retratou o andar de cima da segunda metade do Quinhentos. Está tudo lá, dos cobertores ingleses do governador-geral ao vinho que importava (e mandava trocá-lo por pau-brasil quando lhe parecia ruim), ou aos copos em que o bebia. Quando o doutor deixava a sede do governo para visitar suas propriedades, deixava um pajem na escada do palácio para informar que estava trabalhando.
Como o acesso à tese é fácil, quem quiser pode sapeá-la. Mem de Sá assume o governo na página 62 e sua fortuna está a partir da 157.
IMPOSTECAS
Para os doutores Paulo Guedes e Marcos Cintra (secretário da Receita) pensarem no tamanho da encrenca em que se meteram:
Um cidadão comprou num site americano roupas no valor de US$ 40. A mercadoria chegou ao Brasil e ele soube que foi devolvida porque a nota fiscal não descrevia o conteúdo e, por isso, era impossível calcular o valor do tributo a ser cobrado.
Tudo bem, mas:
1) O cidadão poderia ser chamado para abrir o pacote e mostrar o conteúdo.
2) O imposteca poderia ter aplicado um tributo punitivo. Se o contribuinte não quisesse pagar, o pacote seria devolvido.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e desarmamentista convicto. Depois de saber pelo general Augusto Heleno que os carros matam como as armas, passou a andar a pé. Advertido pelo ministro Onyx Lorenzoni do perigo dos liquidificadores, está pensando em comprar um cofre para guardar o seu.
O cretino espera que algum ministro lhe diga se pode continuar usando o fogão de sua casa.
MADAME NATASHA
Madame Natasha não gosta de marxistas, nem de globalistas, porque essa gente quer acabar com a língua portuguesa.
Por isso ela concedeu uma de suas bolsas de estudo ao ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, pela nota do coordenador de Habilitação e Registro do FNDE na qual ele atribuiu as mudanças no texto do edital que orientava a compra de livros didáticos pelo MEC a um “erro operacional no versionamento”.
Natasha acredita que ele quis dizer que publicou-se um edital com uma versão errada. A pedido de seu amigo Eremildo, a senhora continua curiosa. Gostaria de saber quem foi o “versionador” que suprimiu a proibição de publicidade nos livros.
ANISTIA
A Assembleia Legislativa do Espírito Santo aprovou, por unanimidade, o projeto que concede anistia administrativa aos PMs que se envolveram na greve branca de 2017.
Com a anistia esfumaçaram-se 2.622 processos, 90 dos quais caminhavam para a demissão e 23 haviam resultado em expulsões. Ficou tudo em paz e quem foi punido retornará ao serviço, com direito aos salários perdidos. (Foi rejeitada uma emenda que concedia indenização de R$ 100 mil para as vítimas de homicídios dolosos ocorridos durante o período da greve.)
A paralisação da PM jogou o estado num caos, mas a anistia era pedra cantada e foi bandeira de campanha do atual governador, Renato Casagrande.
*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralada”.