Depois da narrativa do golpe, o PT quer consolidar o discurso da perda dos direitos sociais. É uma estratégia para não fazer autocrítica do próprio fracasso
O PT voltou às ruas ontem contra as reformas da Previdência e trabalhista, em manifestações organizadas pelas centrais sindicais e outros movimentos sociais. O ponto alto foi a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no palanque armado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) na Avenida Paulista, no centro de São Paulo, para onde confluíram professores em greve, bancários, metalúrgicos e integrantes do movimento dos sem-teto. No Rio de Janeiro, servidores públicos estaduais com salários em atraso e servidores federais encorparam os protestos na Avenida Presidente Vargas, próximo à Estação Central do Brasil.
As duas reformas estão sendo exploradas pela cúpula do PT como plataformas de lançamento da candidatura do ex-presidente da República às eleições de 2018, num momento em que a Operação Lava-Jato, com as delações premiadas da Odebrecht, jogam na vala comum do escândalo da Petrobras toda a elite política do país. O discurso de que todo mundo usava “caixa dois” ganha foro de verdade absoluta e Lula nada de braçada, fazendo-se de vítima. A impopularidade de Temer e a fraqueza do governo, com cinco ministros já identificados como arrolados nos pedidos de inquérito, fragilizam o Palácio do Planalto na opinião pública.
O principal artífice da reforma da Previdência é o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, que voltou ao governo, apesar de enroladíssimo na Lava-Jato. Seu “estoicismo” ao reassumir o cargo como quem vai para o sacrifício (convalescia de uma cirurgia na próstata) pode estar sendo levado em alta conta no Palácio do Planalto, mas sinaliza para a opinião pública aquilo que é verbalizado pelos sindicalistas que organizam os protestos: os trabalhadores pagarão o pato pelos desmantelos dos políticos.
Sim, é verdade, Padilha conhece o caminho das pedras das votações no Congresso e pode ser que realmente consiga manter coesa a base do governo para aprovar as reformas; ao mesmo tempo, porém, é um alvo fixo para os adversários das mudanças no regime de Previdência e nas relações trabalhistas. O que terá mais peso nas votações do Congresso: as verbas e cargos federais ou protestos sindicais? Qualquer observador atento sabe que as reformas serão mitigadas de alguma forma pelo Congresso, que haverá negociação e mudanças no projeto original, para estabelecer o teto das aposentadorias e pensões, o tempo de contribuição e a idade mínima para aposentadorias do setor público e do setor privado.
Essa é a primeira fileira de árvores da floresta, que é um emaranhado mais complexo, com muita diversidade. Em primeiro lugar, a reforma da Previdência é uma necessidade. O sistema está à beira do colapso, como aconteceu no Rio de Janeiro, por causa das desonerações fiscais, da roubalheira, da má gestão, dos privilégios e, principalmente, por causa da mudança de perfil demográfico da população (o xis da questão). Sem desonerações, roubos e má gestão, ainda que se consiga receber o que os sonegadores devem, a Previdência não suportará uma situação na qual cresce o número de aposentados e pensionistas e diminui o número dos que contribuem. Ou seja, o sistema perdeu sustentabilidade.
Narrativas
Os mesmos sindicatos que fecharam os olhos para a roubalheira na Petrobras e nos fundos de pensão (Previ, Petros, Fundef, etc) lideram as mobilizações ao lado de sindicatos de professores e servidores públicos que obtiveram sucessivos aumentos reais de salários e ajudaram a quebrar as contas públicas em vários estados. Alguns representam pequeno número de servidores com grande poder de barganha, por ocuparem posições estratégicas na administração pública. Todos voltaram às ruas para impedir as reformas, graças à montanha de dinheiro que arrecadam com o imposto sindical.
Os trabalhadores do setor privado, porém, que são a esmagadora maioria, não aderiram ao movimento. Algumas categorias estão definhando. Vivem uma realidade completamente diferente. Haja vista os metalúrgicos do setor automotivo, cujas fábricas estão sendo completamente robotizadas. O desemprego afasta qualquer possibilidade de greve; o peão não tem a mamata de ficar dias e dias parado e receber os salários sem desconto. Vive no andar de baixo e não frequentam a casa grande.
Depois da narrativa do golpe, o PT quer consolidar o discurso da perda dos direitos sociais. É uma estratégia para não fazer autocrítica ao próprio fracasso. Um grande biombo para não reconhecer a forma como se beneficiou do status quo durante 12 anos. E não fazer autocrítica do seu próprio transformismo, ao se alinhar às forças que agora são hegemônicas no poder, nas eleições de 2010 e 2014. É uma estratégia inteligente, mas falsa. Porque aposta num projeto historicamente derrotado, cujo eixo — a antiglobalização e o nacional desenvolvimentismo —, ironicamente, coincide com a política esdrúxula do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e da direita xenófoba da Europa.
O grande problema do Brasil é chegar a 2018. É o que fazer depois, quando o país precisará encontrar o caminho de desenvolvimento sustentável e da renovação política. Os protestos de ontem reproduzem dogmas e palavras de ordem dos anos 1960. Ideias mortas há mais de 50 anos.
Luiz Carlos Azedo é jornalista