Míriam Leitão: O Brasil concreto espera o governo

Após a campanha dominada por falsos problemas e uma transição confusa, começa o tempo das medidas concretas para os que assumem esta semana.
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Após a campanha dominada por falsos problemas e uma transição confusa, começa o tempo das medidas concretas para os que assumem esta semana

O Brasil tem inúmeros problemas, mas não os que foram criados pela pauta montada para fazer sucesso eleitoral. Encerrada a disputa das urnas, ela continua sendo alimentada pelos vencedores e assim vamos cada vez mais longe dos dilemas reais que temos de enfrentar para ter sucesso como Nação. O país tem uma enorme pobreza, índices educacionais medíocres, déficit habitacional, poluição dos rios e das cidades, falta de saneamento, rombo nas contas públicas, saúde pública em colapso, estagnação do crescimento, alto desemprego. A eleição era uma oportunidade de discutir estes temas, mas em 2018 nós perdemos a chance.

Prisioneiros de um falso dilema, que remonta a meados do século XX, como explicou na sexta-feira a esclarecedora coluna de Pedro Dória neste jornal, revivemos a batalha ideológica da Guerra Fria, como se o país tivesse voltado na máquina do tempo. Para o grupo vencedor era preciso aniquilar os “comunistas”, para o adversário do segundo turno, os “fascistas”. O delírio eleitoral da cruzada contra infieis permaneceu nas entrevistas da transição que não ajudaram a esclarecer a realidade que havia sido deliberadamente sonegada durante a campanha.

O problema da educação brasileira não é a educação sexual nas escolas. É preciso investir na qualificação dos professores, aumentar a capacidade de aprendizado dos alunos, reter os adolescentes que abandonam os estudos cedo demais, tornar atraente o aprendizado, preparar os estudantes para um tempo de mudança acelerada, aperfeiçoar todo o sistema. A educação é a mais decisiva das batalhas, e o debate se perdeu em escaramuças sobre ficções e delírios. Os especialistas fizeram sua parte. Organizações como o Todos pela Educação, entre outras, prepararam propostas para apresentar aos candidatos, com a lista do mais urgente a fazer.

Os agudos problemas da saúde brasileira também foram deixados de lado. A Constituição de 88 deu um passo decisivo e civilizatório quando criou o Sistema Único de Saúde. Todos sabem que é preciso resgatá-lo com uma gestão mais eficiente. É fundamental dar uma resposta para a crise que continuará fazendo vítimas à porta de hospitais. Pouco se falou sobre esse tema que define a fronteira entre a vida e a morte, como se o país pudesse ignorar urgência dessa dimensão. A Previdência esteve presente em debates e entrevistas por insistência dos jornalistas, apesar de ser assunto inadiável.

Metade do esgoto do Brasil não é tratado e isso aumenta as doenças, destrói as águas de rios e praias, empesteia as cidades. Como o governo eleito vai enfrentar o déficit civilizatório do saneamento? Outra das perguntas sem resposta.

O problema ambiental brasileiro não é a “indústria da multa”, ou o suposto “viés ideológico” dos órgãos de fiscalização e proteção, muito menos uma conspiração internacional, mas o fato de que ainda hoje assistimos inertes a um desmatamento irracional feito com correntão, por bandidos armados ocupando terra pública. Os bons produtores do agronegócio, que já entenderam a lógica do tempo atual, sabem que é preciso derrotar os crimes ambientais pelo nosso futuro comum.

O combate à corrupção precisa continuar para proteger os recursos públicos, para melhorar a política, para tornar mais transparentes as relações entre agentes públicos e empresas privadas. O país aprendeu que os erros podem acontecer em qualquer partido. O dilema, porém, foi tratado como uma cruzada dos supostos “puros”, um reducionismo comparável à vassourinha de Jânio Quadros. Na segurança, os altos níveis de homicídios no Brasil não tiveram proposta inteligível, apenas o gesto com os dedos a simular uma arma.

Na economia será preciso pôr as contas em ordem, retomar o crescimento e a geração do emprego. Somado tudo o que foi dito na campanha, com os esboços divulgados durante a transição, não se consegue dizer, sinceramente, qual é o projeto econômico do novo governo. Há apenas uma grande torcida para que a nova equipe acerte e uma ideia genérica de um projeto liberal.

Esta semana o novo governo assumirá e será o tempo das medidas concretas e reais para superar os diversos déficits brasileiros. Os vencedores terão a oportunidade de fazer o que não explicaram durante o confuso ano de 2018.

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