Faltam dias para o novo governo assumir e seria bom que começasse a ir além das ideias voluntaristas que marcaram essa conversa inicial
O anúncio de que o governo Bolsonaro pensa em desonerar a folha de salários tem a mesma marca de improviso de todos os outros ditos da nova administração. É excelente a ideia, só não é original nem trivial. Para fazer isso será preciso saber de onde tirar pelo menos os R$ 200 bilhões que vão para a Previdência. Alguém precisa contar para as autoridades entrantes que governar é diferente de ter teses na academia, no mercado financeiro ou em palestras.
Para ir além da ideia é preciso explicar como fazer. Se não houver o caminho dos projetos até a sua realização é apenas balão de ensaio. Até agora, a lista de intenções anunciadas e abandonadas pelo governo Bolsonaro é enorme. A transição está se completando e a grande marca da preparação do novo governo é o anúncio precipitado de medidas que depois são desmentidas, para darem lugar a outras que também acabam indo para o rol das propostas arquivadas.
Para desonerar a folha é preciso saber o que pôr no lugar, porque passa de meio trilhão de reais o que se arrecada hoje. O que o futuro secretário da Receita, Marcos Cintra, propõe é a criação de um imposto sobre transações financeiras. Essa proposta é a recordista das idas e vindas. Foi dita, desdita, desmentida, negada, abjurada, e sempre reaparece. Cintra é conhecido por sua militância de décadas em defesa do imposto único. Uma ideia que tem nele um defensor único. Nunca impressionou os colegas de qualquer corrente na economia porque não fica em pé. Até ele traiu suas próprias crenças e chegou a defender que houvesse duas e não uma CPMF.
Todo mundo concorda que existem impostos e taxas demais sobre o emprego. Como reduzi-los é que são elas. O governo Dilma deu desonerações a setores. Vimos o resultado. Rombo, distorções, aumento do déficit da Previdência. Foi preciso fazer o caminho da reoneração, ainda incompleto. Portanto, o centro da questão é o “como”. Se a equipe econômica não tiver pensado no caminho prático da realização das ideias, elas são palavras vazias que servem apenas para minar a credibilidade de quem fala. Faltam dias para a nova administração assumir e seria bom que começasse a ir além das teses voluntaristas que marcaram essa conversa inicial.
Já se falou em reduzir os gastos tributários, o que significa eliminar as isenções, incentivos fiscais, programas especiais. Até agora não se apontou um único gasto tributário que vá ser extinto ou reduzido. O presidente Jair Bolsonaro prometeu ao agronegócio a anistia das dívidas passadas do setor com o Funrural. O governo Temer havia proposto um refinanciamento dessa dívida e deu muita confusão. O Congresso aumentou os descontos, foi negociada nova versão, mas tem havido pouca adesão porque os devedores estão de olho no perdão completo dessas dívidas prometido por Bolsonaro. Isso significa um gasto de R$ 17 bilhões e contradiz o que o economista Paulo Guedes disse durante a campanha sobre as bondades fiscais para setores.
A própria “faca no Sistema S” foi lançada aos comensais da Firjan sem qualquer explicação. Aqui comentei ontem sobre a importância da revisão do Sistema. Mas o relevante no caso é dizer que, se há alguma proposta, que seja apresentada com alguma concretude. Governar é mais do que lançar ideias, soltar balões e encantar plateias.
Cintra disse que a desoneração da folha será agora “definitiva e universal”. Isso é para ser diferente da que foi feita no governo petista e que foi seletiva e deixou um custo de R$ 108 bilhões de 2012 a 2019. A proposta é que o benefício não seja concedido discricionariamente a alguns, mas estendido a todos. Deu para entender, só não deu para saber como isso será feito.
Quem dirige a economia de um país complexo como o Brasil tem que expor os números e simulações que levaram à convicção de que uma proposta é viável, antes de anunciá-la. Se não o fizer, é apenas especulação. Além de serem medidas descalçadas de números, elas costumam frequentemente se chocar com o que é dito em outra ala do governo.
Faltam poucos dias para o início da nova administração. Que os senhores da equipe econômica — integralmente masculina, a propósito — pensem, calculem, analisem e estudem alternativas antes de apresentá-las. Se não fizerem isso, perderão credibilidade.