Merval Pereira: A batalha previsível

Na fundamental reforma da Previdência haverá disputa sobre diversos aspectos, pois todos os temas são polêmicos.
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Na fundamental reforma da Previdência haverá disputa sobre diversos aspectos, pois todos os temas são polêmicos

É previsível que o futuro governo Bolsonaro tenha dificuldades políticas e jurídicas para a aprovação das reformas estruturais de que o país necessita, na maioria impopulares pelo menos para setores da sociedade. O sucesso da manifesta vontade do presidente eleito de tratar diretamente desses temas espinhosos com o cidadão, através dos novos meios de comunicação em rede, dependerá da capacidade de convencimento de que privilégios estarão sendo cortados, e não “direitos adquiridos” subtraídos.

Com recente pesquisa confirmando que o futuro governo tem aprovação inicial mais avantajada que a votação obtida por Bolsonaro no segundo turno, é provável que tenha tempo para trabalhar, com a oposição sem espaço para grandes mobilizações.

Os problemas do clã Bolsonaro com as verbas de representação de seus mandatos legislativos ainda não deram gás suficiente para uma oposição mais aguerrida, mas já tivemos recentes exemplos dos problemas que a equipe econômica subordinada a Paulo Guedes encontrará pela frente para aprovar as reformas, inclusive o necessário programa de privatizações para reduzir parte da nossa dívida interna.

Bom exemplo foi a tentativa de barrar a associação da Embraer com a Boeing, que encontrou um juiz para conceder liminar, logo depois revogada, impedindo o negócio.

Também na fundamental reforma da Previdência haverá disputa sobre diversos aspectos, pois todos os temas são polêmicos.

A reorganização dos servidores públicos, com planos de carreira que privilegiem o mérito sobre a antiguidade, será outro ponto a ser disputado no Congresso e também no Judiciário, especialmente se tocar em mudanças de mentalidade, como a proposta de acabar com a estabilidade do funcionário público, que muitos consideram cláusula pétrea da Constituição, mas que, segundo alguns juristas, pode ser alterada até mesmo por projeto de lei.

Também o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, encontrará problemas tanto no Congresso quanto no Judiciário. Moro, por exemplo, quer que condenados por corrupção ou peculato cumpram prisão em regime fechado, não importando o tamanho da pena. Mas já existe resistência de alguns ministros do STF. Também há temores no Congresso com a ida para a Justiça do controle de transações financeiras (Coaf), que identificou a movimentação bancaria “atípica” do motorista de Flavio Bolsonaro e de diversos outros deputados.

Para prospectar problemas e soluções para essa previsível batalha, pedi ao professor da UERJ e constitucionalista Gustavo Binemboin uma análise do que pode vir pela frente. Para ele, “os que defendem no Supremo Tribunal Federal maior ativismo judicial invocam o sistema de freios e contrapesos (“checks and balances”) para sustentar a postura mais intrusiva do Judiciário na definição de políticas públicas e na imposição de uma agenda a partir da leitura criativa do texto constitucional”.

De outro lado, pondera Binemboin, “os defensores de maior autocontenção invocam a repartição de funções estatais para justificar que ao Judiciário caiba apenas a preservação das regras do jogo democrático e a defesa de direitos fundamentais, deixando as escolhas políticas a cargos dos agentes eleitos para o Parlamento e para a Chefia do Executivo”.

Acho que no Brasil, nos últimos anos, o ativismo judicial atingiu nível elevado, e, diante das questões graves que terá que enfrentar, o melhor seria que o conselho do presidente do STF, ministro Dias Tofolli, fosse seguido: o Judiciário deixar de ser protagonista, a bem da segurança jurídica e do respeito às escolhas políticas legítimas feitas por agentes públicos eleitos.

Na análise de Gustavo Binemboin, de modo geral os tribunais constitucionais adotam postura de deferência em relação a políticas públicas nas áreas econômica, fiscal, orçamentária e de relações internacionais, consideradas próprias do campo da política majoritária.

Já em relação à defesa de direitos individuais e à preservação das regras democráticas, comenta, as cortes constitucionais se permitem maior ativismo, sobretudo no que se refere à proteção de minorias subrepresentadas politicamente.

É possível antever algumas questões que certamente serão submetidas ao Supremo Tribunal Federal (STF) levadas à Corte por partidos da oposição, pela Procuradoria-Geral da República ou entidades de classe de âmbito nacional. ( Amanhã, as principais disputas)

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