Jornalistas são atacados pelos que apoiam Bolsonaro, que nos acusam de sermos petistas, e pelos petistas, que nos chamam de fascistas
Jornalistas sabem muito bem que Marieta Severo tem toda a razão quando afirma ser muito doloroso receber ataques gratuitos de pessoas mal informadas. Numa entrevista ao GLOBO, Marieta diz que, nos seus 53 anos de profissão, ela e seus colegas trabalharam com dignidade, honestidade e doação. E que de uma hora para outra tudo virou de cabeça para baixo. Marieta estava se referindo aos ataques que a classe vem recebendo de maneira sistemática desde a eleição de Jair Bolsonaro.
Durante a campanha e depois da eleição, Bolsonaro e seus aliados produziram um discurso de demonização, para usar palavra de Marieta, contra artistas, partindo de um pressuposto falso, de que eles ganham dinheiro público em troca de apoio político ao PT. Mentira. Fake news. Claramente a maioria apoiou Lula e se posicionou firmemente contra o impeachment de Dilma. Também foi com Haddad contra Bolsonaro. Mas essa era uma opção política legítima, nada a ver com o dinheiro captado com o apoio da Lei Rouanet para produzir cultura.
Não é de hoje que artistas são molestados em redes sociais, quando não pessoalmente, por pessoas que discordam das suas posições políticas. A própria Marieta já passou por isso antes da eleição de Bolsonaro. Um dos casos mais conhecidos é o de Chico Buarque, parado há alguns anos numa rua do Leblon por pessoas que o ofenderam apenas por ele apoiar Lula. Ele foi chamado de comunista, o que é ridículo, e sugeriram que se mudasse para Cuba, o que é patético.
Os artistas podem contar com a solidariedade dos jornalistas, que passam por este mesmo tipo de constrangimento todos os dias. A diferença é que jornalistas são atacados por ambos os lados. Pelos que apoiam Bolsonaro, que nos acusam de sermos petistas, e pelos petistas, que nos chamam de fascistas e nos acusam de sermos bolsominions. Esquizofrênico? Bota esquizofrênico nisso. Jornalistas, como artistas, são dignos, honestos e se entregam diariamente para levar ao seu público informação de qualidade que o ajude a tomar decisões no seu dia a dia.
Tonico Ferreira, um dos grandes nomes do jornalismo da TV Globo, aposentou-se em abril por não suportar mais os ataques que sofria sempre que saía para fazer uma reportagem de rua em que houvesse aglomeração. Não conheço jornalista mais tranquilo, amável e equilibrado do que Tonico. Um gentleman. E mesmo ele, que nos seus mais de 50 anos de jornalismo (40 de TV Globo) sempre tratou respeitosamente todos os lados da política, foi agredido até por pessoas que o conheciam.
Numa entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, Tonico diz que a agressividade contra os repórteres lhe tirou o prazer do ofício. E cita o exemplo da cobertura da prisão de José Dirceu. Ao entrar ao vivo na Globo, depois de negociar com pessoas do PT que conhecia, foi interrompido por gritos e cartazes colocados entre ele e a câmera com dizeres contra a TV Globo. Quem já não viu cena semelhante na TV? Mas houve ataques piores contra repórteres. E ainda os há. “Toda manifestação é um problema de segurança para jornalistas, pode ser do Bolsonaro ou do PT, quando junta gente, se você cai, todo mundo dá um pontapé anônimo”, disse Tonico à “Folha”.
Lembram-se de Caco Barcelos sendo agredido por servidores públicos que faziam manifestação em frente à Alerj? E não foi apenas verbalmente, Caco foi agredido fisicamente. Jogaram sobre o repórter e sua equipe garrafas, caixas, cones de trânsito, tudo o que estivesse ao alcance das mãos. Por pouco não ocorreu uma tragédia, e justamente quando ele dava voz aos manifestantes que afinal o agrediram. E por quê? Porque os manifestantes, mal informados, estavam simplesmente ecoando o discurso diuturno de Lula contra a imprensa.
Durante o processo do impeachment de Dilma e ao longo do julgamento do ex-presidente no caso do tríplex, Lula e simpatizantes acusaram a imprensa de perseguir o PT, o mesmo que hoje fazem seguidores de Bolsonaro. Informar virou perseguir no dicionário político. Em janeiro deste ano, Lula discursou no Teatro Oi Casagrande durante manifestação de artistas e intelectuais contra a sua prisão. O ex-presidente fez os habituais ataques à imprensa, colocando na nossa conta a responsabilidade pelo seu descaminho e o do PT. Quem o ouvisse poderia achar que fomos nós, jornalistas, que saqueamos a Petrobras. Lula foi aplaudido de pé. Por todos, inclusive pelos artistas.