O que sei é que a Lei Rouanet é uma das mais acertadas regulações do financiamento público de cultura
Tenho recebido muitas mensagens sobre o último artigo que escrevi aqui, a propósito da Lei Rouanet. Felizmente, a maioria dessas mensagens se comporta de um jeito civilizado, compreensiva quanto à necessária existência daquela lei, embora proponha algumas mudanças.
Em geral, não tenho nada contra essas propostas de mudanças, acho até que elas são mesmo indispensáveis para que tudo funcione com mais justiça e mais correção. Para que as coisas sejam aperfeiçoadas. Mas tenho me poupado de dizer que mudanças, na minha opinião, são urgentes e quais as que não merecem nossa atenção por injustas, mesquinhas ou tolas. Mexer numa lei é coisa para profissional, e essa não é a minha profissão.
É preciso tomar muito cuidado quando se vai mexer num conjunto de regras fundamentais para a produção de alguma coisa essencial ao país, como é a cultura. Ouço dizer, por exemplo, que a Lei Rouanet devia servir somente aos principiantes, para ajudar afazer surgir novos grandes artistas brasileiros. Ótimo, boa ideia. Mas aí fico pensando em como se viraria, então, um pobre artista já consagrado que, na falta de um mercado viável, de preferência sólido, não tem outra fonte de recursos para a produção de sua arte. Quando autoridades responsáveis argumentam desse jeito, temos até o direito de pensar que se trata de uma forma de elas, as autoridades, tentarem evitar o confronto incontornável, resultado de uma eventual intervenção no mercado, para que esse não sirva apenas aos poderosos predadores da boa arte nacional.
Se é para as coisas ficarem como estão, sem ninguém se aporrinhar com reformas complicadas e correções dolorosas no mercado, sugiro que os artistas consagrados se “desconsagrem”. Isso é, comecem a produzir obras menos boas e até ruins, para que não sejam desclassificados na Lei Rouanet. Teríamos menos belas canções, mais poemas de pé quebrado, romances um pouco mais chatos e pinturas sem pé nem cabeça. Mas, em compensação, contaríamos com uma grande multidão de artistas captando na Lei Rouanet, exclusiva para principiantes ainda não consagrados.
Além disso, para determinar as circunstâncias do uso da Lei Rouanet, é preciso conhecer os números que ela movimenta e o resultado efetivo de seu uso, coisa que não é o meu caso. Entre outras coisas porque, como já disse aqui, a produção de cinema não se enquadra nessa lei, não sendo portanto beneficiada por ela. Para a produção cinematográfica, a Lei Rouanet não existe. Logo, pouco sabemos de prático sobre ela.
O que sei, e gostaria de repetir sobre a Lei Rouanet, é que ela é uma das mais acertadas regulações do financiamento público de cultura, em todo o mundo. Sobretudo no mundo capitalista e democrático. Semelhantes a essa lei, existem regras espalhadas por nações de todo o planeta, mas nenhuma é necessariamente muito melhor, mais eficiente ou mais justa do que a lei brasileira. Ou mesmo mais universal, capaz de atender a todos os gêneros e tendências que ocorrem num país geográfica, cultural e etnicamente tão diverso quanto o nosso. Se há irregularidades ou corrupção em certas aplicações da Lei Rouanet, que se punam gravemente os culpados. Se amanhã a agência de um banco for assaltada, isso não é motivo suficiente, nem lógico para que a polícia exija que se eliminem as agências de bancos no país.
E se ainda compararmos os custos públicos da Lei Rouanet com os de leis de incentivos fiscais relativas a outras atividades, veremos como a cultura, tão necessária, custa tão pouco à população. Praticamente nada, se comparado à sua serventia.
O Brasil é um país de impressões que se generalizam como se fossem juízos pétreos. Claro que os melhores jogadores brasileiros de futebol não jogam mais por aqui. Estão todos, ou quase todos, na Europa, ganhando muito mais do que se tivessem ficado em casa.
Mas, sempre que nosso time do coração perde uns dois ou três jogos seguidos, temos o prazer doentio de declarar que o futebol brasileiro vai mal, não é mais o mesmo, estamos em plena decadência, acabou. A ninguém ocorre lembrar que não é o futebol brasileiro que vai mal, mas sim a economia do país que está uma desgraça cada vez maior, e por isso mesmo não permite a nosso clube pagar o salário que os melhores jogadores merecem e valem. Como na Europa ou até na Rússia, na China e no Japão, por onde agora eles andam jogando também. Os valores de mercado nunca têm nenhum valor para nossas conclusões.