Governo Bolsonaro começa a tomar forma mas ainda não se sabe como será a articulação política nesta tentativa de reinvenção do modelo de coalizão
Começa a tomar forma o governo Jair Bolsonaro, com erros, acertos e dúvidas. As indicações se dividem entre militares, políticos e técnicos. A ideia de que ele não aceitaria indicação política já caiu por terra. Houve apenas a troca dos partidos por bancadas, o que levou a uma sobrerrepresentação do Democratas. Ainda não se sabe como será a articulação política nessa tentativa de reinvenção do modelo de coalizão.
Bancadas se unem por temas e se dividem a respeito de muitas outras questões. Como pensa a bancada ruralista sobre a reforma da Previdência? Depende do projeto. Se houver a cobrança da contribuição previdenciária do agronegócio, certamente a bancada inteira será contra. Se houver novas proibições de Refis, também. A ministra Tereza Cristina não garante os votos dos ruralistas para questões que individualmente os deputados divirjam. A liberação de armas agrada aos ruralistas e à bancada da bala, mas será que terá aprovação de todos os evangélicos? Esta semana o governo cedeu à pressão dos evangélicos na escolha do ministro da Educação, ao desistir de Mozart Neves Ramos. Ontem, acabou anunciando o colombiano Ricardo Velez Rodriguez. O fato de os indicados serem das bancadas não impediu que estivessem já sendo centro de desgaste como acontece com os futuros ministros da Agricultura e da Saúde.
O pacote anticorrupção que será apresentado pelo ministro Sérgio Moro deve encontrar resistência em vários partidos, se o parlamentar entender que isso o ameaça de alguma forma. Nenhum dos problemas normais na gestão da coalizão desaparece com essa forma de esquivar-se das direções partidárias e alguns outros podem surgir como a dúvida sobre como será a negociação dos projetos.
A prova de que a negociação com as bancadas cria desequilíbrios na relação entre o executivo e o legislativo foi a reclamação do próprio PSL, feita na quarta-feira, por não ter até aquele momento nenhum dos seus integrantes no governo. Gustavo Bebbiano é uma indicação do próprio presidente. Se há três ministros do DEM, que tem 29 deputados, qual será o espaço do próprio PSL? É essa a pergunta que chegou ao governo do seu próprio partido. O DEM, antes PFL, já esteve no grupo dos cinco maiores partidos da Câmara, mas perdeu essa condição na eleição de 2014. E como a indicação é dos grupos temáticos, a direção partidária pode não se envolver no esforço de aprovação.
De uma forma ou de outra, o governo estará negociando com os políticos. Isso não é necessariamente ruim. O que o país rejeita na política é o uso de recursos públicos como moeda de troca na construção da coalizão, e não a negociação em si. O partido do presidente elegeu 52 deputados, 10% da Câmara. Ele vai crescer com novas adesões, mas jamais conseguirá ter maioria sozinho, o que só aconteceu uma única vez de 1945 para cá, no governo do general Eurico Gaspar Dutra.
No início, qualquer administração tem mais força e os projetos são mais facilmente aprovados. No governo Bolsonaro, haverá um problema sobre o qual já escrevi aqui: o conflito de agenda. Qual será prioritária? O pacote anticorrupção, que está sendo preparado pelo futuro ministro da Justiça, as reformas a serem apresentadas pelo futuro ministro da economia ou as bandeiras que o presidente eleito defendeu com mais ênfase durante a campanha, como a liberação de armas, a Escola sem Partido, o excludente de ilicitude? Se for tudo ao mesmo tempo, a tendência dos parlamentares será fugir de assuntos mais impopulares, como a reforma da Previdência.
O resto do governo é formado por militares do Exército e por ministros que simbolizam as agendas liberal e de combate à corrupção. Paulo Guedes está se cercando de pessoas nas quais confia há muito tempo, formando uma equipe homogênea. Estendeu suas indicações até para além da área que ficará sob o seu comando, como a Petrobras. A força de superministros fará com que qualquer desentendimento com eles reverbere muito mais. Na economia, as informações divulgadas até agora são esparsas e ainda não permitem saber de que forma o governo pretende enfrentar a grave crise econômica e fiscal do país. As nomeações que o futuro ministro Sérgio Moro têm feito confirmam que a Lava-Jato, que começou com uma operação que fiscalizava o governo, agora tem um braço dentro do executivo.