Míriam Leitão: Novo governo e o tempo do mercado

Bom humor do mercado financeiro com o governo Bolsonaro pode mudar se não for aprovada uma reforma da Previdência consistente.
Foto: Agência Brasil
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Bom humor do mercado financeiro com o governo Bolsonaro pode mudar se não for aprovada uma reforma da Previdência consistente

O governo Jair Bolsonaro terá menos tempo do que se pensava da confiança do mercado. Se não for feita uma reforma da Previdência consistente, o entusiasmo inicial dos investidores locais pode mudar de direção. Os estrangeiros sempre estiveram mais céticos em relação à aposta de que o novo governo fará um ajuste fiscal robusto e uma importante redução do tamanho do Estado. Isso é o que se pode ouvir em conversas com analistas de bancos e economistas.

Ninguém acha que reformar o sistema de pensões e aposentadorias seja a panaceia, mas o que os analistas dizem é que sem isso não há como se ter um programa realmente sustentável de redução dos gastos públicos em nenhum dos três níveis de governo.

— E se for uma reforminha não conseguirá enganar ninguém que sabe fazer contas — diz um economista de prestígio no mercado brasileiro.

Na verdade, entre os economistas que trabalham no setor financeiro há entusiasmo entre os mais jovens, que foram os primeiros a acreditar que ele representaria uma guinada liberal no governo, a despeito de, em toda a sua vida política, ter dado sustentação ao nacional-estatismo. Os mais sêniors nos bancos e consultorias têm visão mais completa do cenário e acham que tem havido excessivos curtos-circuitos na equipe do novo governo e há muitas contradições. A avaliação de um economista com muita experiência em setor público é que: “eles se prepararam para uma campanha e não para um governo”. Isso é que explica cenas explícitas e diárias de improviso. Os integrantes da futura administração têm que passar por um rápido período de aprendizado e, por isso, o resultado é incerto.

Um exemplo foi a promessa que o futuro ministro da área econômica, Paulo Guedes, fez de distribuir com os estados parte dos recursos da licitação futura de petróleo dos campos da cessão onerosa. Se o socorro aos estados ocorrer antes da aprovação da reforma da Previdência terá sido um erro essa promessa. E haverá um custo.

No mercado, já foi absorvido que a reforma da Previdência não será aprovada este ano, mas a expectativa é que seja no primeiro semestre de 2019. O problema é qual reforma seria aprovada. A do presidente Temer foi sendo desidratada ao longo do tempo, e no futuro governo fala-se em reduzir ainda mais seu alcance e ampliar a sua já longuíssima transição.

Investidores estrangeiros estão em compasso de espera e vão aguardar os primeiros movimentos do próximo período legislativo, para ver como será a relação do executivo com o Congresso. Este ano houve muita volatilidade nos mercados emergentes. Houve crises de confiança em relação à Argentina, Turquia e ao próprio México. Por isso, olham o Brasil com cautela. Eles não se deixam convencer pelo discurso ideológico antiesquerda. Querem ver o que o novo governo pode “entregar”.

O Brasil tem uma situação de fragilidade fiscal externa criada em grande parte pelos erros da administração econômica petista. O relato dos erros e da crise ocupou esta coluna durante anos, material que resultou em um livro meu de título “A verdade é teimosa”. E por ser assim, insistente, mesmo quando as narrativas dizem o contrário, é que a verdade está nos números da dívida pública, que cresceu perigosamente, e do déficit público, que permanece alto mesmo com as melhoras recentes conquistadas pela boa equipe econômica atual.

— Pouca gente do novo governo entendeu a dimensão da crise econômica e o esforço que terá que ser feito para enfrentá-la — disse um economista-chefe de banco.

Ninguém duvida que Paulo Guedes é um grande economista. A dúvida recai sobre sua capacidade de atuar no setor público com a habilidade e a efetividade adequadas. Seu estilo pode criar arestas entre os políticos. Ele conseguiu vitórias até agora em manter Mansueto Almeida e trazer Joaquim Levy de volta da diretoria financeira do Banco Mundial. Mas por mais influente que ele seja, haverá outros focos de poder no governo Bolsonaro com visão totalmente diferente e que podem conflitar com a área econômica. O futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e parte da base do novo governo são adversários da ideia de reforma da Previdência defendida pela maior parte dos especialistas. O novo chanceler, Ernesto Araújo, tem visão diferente de Guedes no comércio internacional. O mercado, como bem sabe Paulo Guedes, é volátil e, como os ventos, pode mudar bruscamente de direção.

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