É fácil perceber quão irresponsável foi a decisão do Senado de aprovar aumento salarial dessa proporção ao STF
Não há como subestimar a gravidade da irresponsável decisão do Senado de aprovar a concessão de um aumento salarial de mais de 16% aos ministros do Supremo Tribunal Federal, com o país na alarmante situação fiscal em que está.
O episódio merece atenção por ter deixado mais do que claras as colossais dificuldades que terão de ser superadas para que o esforço de ajuste fiscal que hoje se faz necessário seja levado a bom termo. Não há como ter ilusões. Nem quanto à extensão da inconsequência que ainda permeia boa parte da elite do Legislativo e do Judiciário, nem quanto à voracidade das corporações mais bem aquinhoadas do funcionalismo público.
É preciso não perder de vista as reais proporções da crise fiscal com que se defronta o Brasil. A cada ano, os três níveis de governo vêm extraindo da economia cerca de 33% do PIB em tributos e gastando mais de 40% do PIB. Na esteira do aumento recorrente de endividamento que tal desequilíbrio vem exigindo, a evolução da dívida pública como proporção do PIB tornou-se insustentável. Desarranjo fiscal tão grave vem condenando a economia a um crescimento anêmico e mais de 12 milhões de pessoas, ao desemprego.
Para que esse processo possa ser sustado e revertido, será necessário um esforço de ajuste fiscal de nada menos que 5% do PIB. Algo da ordem de R$ 350 bilhões. Se houver um plano de jogo crível, é perfeitamente possível que o ajuste possa ser feito ao longo de vários anos. Mas, para que isso seja viável, é preciso pôr em marcha um programa abrangente de austeridade fiscal em que cada bilhão fará diferença.
Visto dessa perspectiva, é fácil perceber quão irresponsável foi a decisão do Senado de aprovar um aumento salarial dessa proporção que, computado o efeito cascata, poderá engendrar gastos fiscais adicionais de até R$ 4 bilhões. Sem falar nas dificuldades que a tal prodigalidade trará a qualquer esforço mais amplo de contenção das folhas salariais dos três níveis de governo.
Não foi surpreendente que, em meio ao amadorismo com que a equipe do presidente eleito vem acompanhando a tramitação de matérias de seu interesse no Congresso, a suposta bancada bolsonarista no Senado tenha votado alegremente a favor da medida.
Mas o mais espantoso foi a decisão ter contado com o apoio maciço do PSDB. Dos 12 senadores tucanos, só Fernando Flexa Ribeiro (PA) não estava presente. O único que votou contra foi Ricardo Ferraço (ES) que, lamentavelmente, deverá deixar a Casa em breve, por não ter conseguido se reeleger. Os dez senadores restantes votaram todos a favor do aumento.
Diria um cínico que, entre esses dez, há gente enrascada que, de modo algum, consideraria a possibilidade de fazer qualquer desfeita ao Judiciário. Pode até ser. Mas o que dizer dos votos favoráveis de senadores que não padecem de dificuldades desse tipo, como Tasso Jereissati (CE) e Antonio Anastasia (MG), dois ex-governadores perfeitamente aptos a entender o impacto nefasto que a medida deverá ter sobre as contas da União e, indiretamente, sobre as combalidas finanças dos Estados?
O PSDB não se emenda. Voltou a apoiar pautas-bom bano Congresso. Desta vez, no Senado. O partido precisa entender que, se perder de vez o respeito do seu eleitorado mais ilustrado, não há muito que o futuro possa lhe reservar. É fundamental que se engaje de forma séria e determinada no gigantesco esforço de ajuste fiscal que o país tem pela frente.
Em entrevista concedida em meio à euforia da vitória de Bolsonaro, Paulo Guedes anunciou que pretende “enterrar o modelo social-democrata” (“Exame”, 28/10). É pouco provável que consiga. Mas tudo indica que, na toada em que vai, o PSDB não lhe será um problema. Muito pelo contrário.
Parte importante do partido parece tomada de incontrolável furor adesista, pronta a obliterar qualquer linha divisória que possa separar os tucanos do bolsonarismo, seja lá o que isso signifique ou vieras ignificar. Outra parte, como se viu, parece entregue ao desatino e em modo de autodestruição. Até quando?