Menos pressionados, governos abandonam mediação social
O fim do Ministério do Trabalho retrata, mais que uma posição administrativa ou ideológica, uma constatação de natureza política: há uma decadência nítida, que não está restrita ao Brasil, da capacidade de trabalhadores urbanos em sindicatos influenciarem nas esferas de poder.
Se o Brasil vai acabar com uma instituição que cumprirá 88 anos de idade no dia 26, a Argentina já o fez este ano. Mauricio Macri fundiu o Ministério do Trabalho com o da Produção no país vizinho.
Menos pressionados, governos abandonam a função de mediadores de conflitos sociais. Lentamente, volta-se ao verdadeiro significado de uma frase dita na década de 20 pelo então governador de São Paulo, futuro presidente Washington Luiz. “A agitação operária é um questão que interessa mais à ordem pública do que à ordem social, representa o estado de espírito de alguns operários, mas não de toda a sociedade”.
Macri está longe de ser um esquerdista e Bolsonaro pertence ao universo da ultradireita, mas o sapo não pula por boniteza, mas por precisão, como uma vez escreveu Guimarães Rosa. Outros fossem os tempos e dificilmente Bolsonaro deixaria de preencher a vaga do Trabalho. Do mesmo modo como a criação de vaga, na esteira da revolução de 1930, não encontra explicação em uma opção ideológica de Getúlio Vargas. Atendeu-se a uma demanda histórica.
O primeiro ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, avô de um futuro presidente, era um conspirador varguista de primeira hora. Montou a pasta com a colaboração de advogados de organizações de trabalhadores, como Evaristo de Morais Filho, e industriais, como Jorge Street. Sua principal tarefa era normatizar a existência dos sindicatos, empregados e trabalhadores. A meta era garantir espaços para cada um, e consequentemente, estabelecer limites. O Estado dirimia as controvérsias e tutelava a representação política das partes. Lindolfo rompeu com Getúlio, para nunca mais se reconciliar, dois anos depois.
Coube ao segundo ministro, Salgado Filho, que posteriormente seria o primeiro ministro da pasta da Aeronáutica, criar a carteira de trabalho de hoje, a azul, a que Bolsonaro menospreza diante da prometida “verde e amarela”, suposto canal de criação de mais empregos com menos direitos.
O terceiro, Agamenon Magalhães, posteriormente um hierarca do PSD pernambucano, expurgou os sindicatos de todos os elementos com alguma ligação com as forças políticas que apoiavam o comunista Luiz Carlos Prestes. Ajustava-se a máquina à linha oficial. Uma no cravo, outra na ferradura: também foi Agamenon que criou o seguro contra acidente de trabalho e a indenização por demissão sem justa causa.
O quarto ministro, Valdemar Falcão, costumava substituir Getúlio em discursos nas primeiras transmissões do que hoje é a “Voz do Brasil”. Foi em sua gestão que se criou a Justiça Trabalhista. Na democratização em 1945, tornou-se o presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Seu sucessor, Alexandre Marcondes Filho, foi marcado pela promulgação da CLT, em 1943. Da pasta sairia para estruturar o PTB varguista. Mas nos anos 50 foi ministro da Justiça de Café Filho, alinhado com a UDN.
O começo da história do Ministério do Trabalho explica porque ele durou até hoje, sobrevivendo ao regime militar. Era um freio, um garantidor da ordem social, montado por lideranças muito conservadoras.
O Ministério do Trabalho só esteve no eixo de uma guinada política, concentrando sobre si o fogo de toda a oposição, nos idos de 1953, quando comandado por João Goulart. O então ministro de Vargas definitivamente emulou Perón e mandou dobrar o salário mínimo. Soltava-se a válvula: o país vinha em uma onda de greves maciças e violentas, que aumentavam a influência comunista no meio sindical. A ação de Jango movia o PTB para a esquerda e continha a ação do proscrito PCB.
A pasta voltou a ganhar papel protagonista na gestão de Luiz Marinho, no governo Lula. Data daí a criação da política de reajuste do salário mínimo em vigor. O instrumento foi ferramenta importante para garantir alguns anos de calmaria para o petismo, depois do tumulto do mensalão.
É desnecessária a crônica dos últimos dez anos. Os movimentos sociais foram para a periferia política depois do advento da militância polarizada insuflada pelas redes e a pasta tornou-se pouco mais que um ninho de cavações e sinecuras de políticos de segundo time. A atuação do Ministério na tramitação da reforma trabalhista demonstra a tese.
Bolsonaro mata o que já estava morto. Não há mais redes de proteção, no universo institucional, para conflitos sociais de qualquer natureza, muito menos capital e trabalho. Bolsonaro é um produto desta anomia, não sua causa.
Semelhanças e diferenças
Com seus megaministérios e entusiasmados amadores na gestão pública à frente deles, o governo Bolsonaro lembra o de Fernando Collor. Nem mesmo falta a animosidade em relação à imprensa.
Collor criou uma superpasta da Infraestrutura, outra de Economia e enxugou também área sociais. Bolsonaro também vai por aí. Os dois eram desacreditados no início de suas campanhas. Os dois usaram à larga o anticomunismo e o discurso anticorrupção durante o processo eleitoral. Há três diferenças essenciais entre o governo de 1990 e o que toma forma agora.
Não existe um Paulo César Farias, para, entre outras coisas, construir uma animosidade entre o poder público e a elite empresarial. Não há um fenômeno econômico desestabilizador da sociedade como era a hiperinflação de então. E Bolsonaro na sua equipe ministerial monta um eixo na farda e na toga, duas áreas negligenciadas na gestão collorida. São diferenças essenciais e o insucesso de Bolsonaro, se sobrevier, não tomará a forma que tomou a desgraça de Collor. Tolstoi já dizia que cada um é infeliz à sua maneira.