Míriam Leitão: O governo que é antes de ser

Novo governo não assumiu, mas já tem que fazer articulação no Congresso para evitar projetos que pesem mais nas contas públicas.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Novo governo não assumiu, mas já tem que fazer articulação no Congresso para evitar projetos que pesem mais nas contas públicas

O governo Bolsonaro tem o ônus de ser, antes do bônus de estar na Presidência. Os atos do Congresso agora afetarão o primeiro ano do governo Bolsonaro. A administração não assumiu, mas já anuncia decisões que têm efeitos políticos e, por isso, geram reações, mas a base ainda não se articulou para a defesa no Congresso, até pela grande renovação. Foi isso o que aconteceu no caso da aprovação do reajuste do Judiciário e do Ministério Público. O presidente eleito afirmou que não era o momento e que eles são os “mais bem aquinhoados” do setor público. Está certo. Mas por não ter feito qualquer articulação com o Senado, Bolsonaro teve sua primeira derrota.

Esta transição é diferente de todas as outras, por uma série de fatores, e a eles a equipe de Bolsonaro deveria estar atenta. Houve muita renovação nas duas casas, mas há um fato curioso: o reajuste teve o voto de senadores que serão da futura base. Já alguns que serão oposição votaram contra, como o senador Randolfe Rodrigues. O PSL era ínfimo e agora é a segunda maior bancada da Câmara e será a primeira com as adesões que receberá. O governo está em formação, mas vai conviver até fevereiro com o velho Congresso. O poder nascente é sempre mais forte do que o poente, portanto é a favor ou contra ele que as forças políticas agora se organizam.

A fala do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, de dar uma “prensa neles”, bateu num Senado em que muita gente não voltará, a começar do presidente da casa, Eunício Oliveira. O reajuste já contou para a nova administração, que terá que pagar a conta. Ele aumenta os custos do governo federal, dos governos estaduais, e se torna uma despesa permanente. Tornará ainda mais difícil evitar o reajuste dado ao Executivo.

O governo Temer cometeu um erro logo que chegou e passou dois anos e meio se arrependendo. Deu aumentos a muitas categorias do Executivo em parcelas anuais, apesar de o país estar em recessão, com receitas encolhendo. Tentou adiar a parcela do reajuste de 2018 e foi derrotado por uma liminar do ministro Ricardo Lewandowski. Agora mandou nova proposta para adiar para 2020 o reajuste de 2019, que pode ser derrubada de novo.

Há pelo menos três outras bombas no Congresso: a revisão da Lei Kandir será votada este ano, e ela pode decuplicar o gasto do governo federal com a compensação para os Estados; a emenda 99 manda o governo federal financiar com juros subsidiados o pagamento de precatórios de estados e municípios e isso já foi aprovado, mas o dano pode ser contido na regulamentação; o Orçamento de 2019 está sendo votado e nele os parlamentares querem pendurar suas emendas.

Se não quiser começar os trabalhos no meio de bombas, o governo Bolsonaro terá que iniciar a articulação política antes de assumir o Palácio do Planalto. O governo está ferindo vários interesses com as suas mudanças nos ministérios, apesar de em muitos casos ter razão. Um exemplo são os empresários, principalmente os industriais, que pela primeira vez temem não ter um balcão no governo ao qual levar suas reivindicações, porque o Ministério da Indústria e Comércio será parte do novo ministério da economia. Eles têm muita conexão no Congresso. Não tem sentido dar a eles subsídios e proteção, mas estão corretos quando dizem que o custo Brasil é alto demais, o que torna a competição injusta. É preciso criar as condições para a mudança na política industrial.

Quem acompanha os tuites e outras formas de comunicação do grupo do presidente eleito, dos seus filhos e dos assessores, reais ou virtuais, já notou que um dos defeitos da turma é a mania de perseguição. Eles consideram inimigos todos os que não lhes fazem a corte. Qualquer reparo ao novo governo transforma o autor da crítica num “comunista”. Esse macartismo fora de época mira políticos, jornalistas, pensadores. Alvejar supostos adversários com um epíteto tão antigo assim é até cômico. Quando se dirigem a jornalistas e pensadores não causam maiores efeitos. Se tratarem o Congresso com o mesmo maniqueísmo terão como troco mais dificuldades para governar. Bolsonaro terá que fazer uma coalizão, mesmo que a chame de outro nome. E se quer fazer coalizões com bancadas temáticas, a cada votação, a articulação será ainda mais árdua. Democracia dá muito trabalho. Mas, felizmente, é o que temos.

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