Moro não virou político, mas estará em um governo que fez ameaças à democracia e tem em sua base partidos que ele condenou
A ida do juiz Sérgio Moro para o governo Jair Bolsonaro abre inúmeras dúvidas e polêmicas, mas não torna a Lava-Jato uma conspiração contra o PT. Ela tem serviços prestados ao país e atingiu políticos de diversos partidos. Moro, contudo, abriu o flanco para muitas críticas. Ele entra num governo que tem uma agenda que pode representar ameaça a direitos e garantias constitucionais e que governará com alguns dos partidos envolvidos em casos de corrupção.
O PT está dizendo que a ida de Moro é a prova final de que era tudo uma armação para tirar o ex-presidente Lula do rumo do Planalto e levá-lo para uma cela em Curitiba. Mas existem inúmeros fatos que mostram que a Lava-Lato é, e continua sendo, a mais bem sucedida operação anticorrupção do país. Ela condenou 130 pessoas, entre políticos, empresários e operadores, totalizando 1900 anos de prisão. Conseguiu recuperar R$ 12 bilhões. Puniu políticos do PMDB, do PSDB, e levou à prisão parlamentares de partidos que hoje estão indo para a base do governo Bolsonaro, como o PP. Expôs da forma mais explícita jamais vista os esquemas de corrupção dentro das empresas, como se pôde constatar na revelação da existência de um departamento dedicado à corrupção na Odebrecht. Não deixou nenhum pingo de dúvida de que diretores da Petrobras roubavam para si e para os partidos da base nos governos petistas.
O fato de o juiz Sérgio Moro virar ministro da Justiça não significa que ele “entrou na política”, como muita gente está interpretando. O cargo é técnico e pode ser exercido dessa forma ou ser ocupado por um político. Alguém ir para o governo não significa que virou um político. Inúmeras pessoas entram e saem e não viram políticos. O problema que Moro terá é com a agenda de Bolsonaro.
O presidente Bolsonaro, numa entrevista depois de eleito, reclamou de estar tendo que repetir sempre que vai respeitar a Constituição. “Parece que se não falasse isso (que respeitaria a Constituição) não seria um democrata. Você é obrigado a falar. Lamento ser obrigado a fazer isso e dizer que sou um democrata num sistema democrático.” É o caso de se pensar: por que será que perguntam? Porque ele deu sinais inequívocos em sentido contrário, ao fazer a apologia da ditadura, ao ter defendido tantas vezes soluções de força e ao ter seu filho, deputado Eduardo, dizendo que bastaria mandar um cabo e um soldado para fechar o Supremo. Nas primeiras entrevistas que concedeu após a campanha, ele reafirmou temores, como fez com as ameaças à “Folha de S. Paulo”. Moro colocou a carreira e a reputação dele em um governo que terá integrantes que já fizeram ameaça à democracia e um presidente recordista em declarações ofensivas às minorias.
Não foi outra a razão, a não ser esses temores, do tom e dos votos da sessão de quarta-feira do STF, presidida pelo próprio decano, Celso de Mello. Por nove a zero os ministros condenaram a ação policial nas universidades contra manifestações políticas. Um a um, os ministros enumeraram os direitos e garantias individuais, o compromisso com a liberdade de expressão, com a pluralidade de pensamento em ambiente acadêmico, com o respeito à Constituição. A ministra Cármen Lucia, no seu voto, invocou Ulysses Guimarães: “traidor da Constituição é traidor da Pátria”. Foram tão cristalinos os recados que é impossível não entendê-los como aviso prévio ao presidente eleito de que precisa desembarcar de algumas convicções se quiser bem governar.
Na Lava-Jato há também dúvidas sobre a decisão. O procurador Deltan Dallagnol apoia. Ele explicou, em postagem no Facebook, numa avaliação pessoal, que a decisão conseguiria consolidar os avanços, porque o combate à corrupção e ao crime organizado precisaria agora de leis mais favoráveis, como as que foram apresentadas no pacote das 10 Medidas, que ele levou ao presidente.
De fato, a Lava-Jato avançou muito, mas foi barrada em vários lugares. A Força-Tarefa de Curitiba mandou documentos para o Brasil inteiro e só houve avanço no Rio. Há muito trabalho ainda a fazer, mas em outras varas que não necessariamente a 13ª. A dúvida é o que acontecerá quando a Polícia Federal estiver investigando casos de corrupção no governo Bolsonaro? Eles podem acontecer. Moro sempre defendeu a autonomia dos órgãos de controle e da própria Polícia Federal. Espera-se que continue a fazê-lo no cargo de ministro da Justiça.