Merval Pereira: Susto benéfico

A percepção de parte da sociedade de que seu filho não tirou da cabeça a ameaça de fechar o Supremo, mas retratou um pensamento do próprio Bolsonaro, deu ares de verdade à ideia.
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)

A percepção de parte da sociedade de que seu filho não tirou da cabeça a ameaça de fechar o Supremo, mas retratou um pensamento do próprio Bolsonaro, deu ares de verdade à ideia

A manutenção de distância confortável do candidato Jair Bolsonaro a quatro dias da eleição presidencial mostra como os votos cristalizados dos dois concorrentes praticamente impedem uma reviravolta na reta final, a não ser que algo inacreditável aconteça. Em vez de uma bala de prata, o PT gastou várias, e nenhuma acertou o alvo.

Mas balançaram a antes inabalável situação de Bolsonaro: o número de pessoas que não votariam nele aumentou, superando os que votarão com certeza. E diminuiu a rejeição ao candidato petista. Embora a diferença esteja na margem de erro, é uma boa nova para Haddad, oferecida pelo próprio adversário e os seus, que continuam sendo os principais adversários deles mesmos.

O suposto escândalo das mensagens inverídicas de WhatsApp, baseado em uma denúncia jornalística inepta, acabou sendo soterrado pelo próprio candidato petista Fernando Haddad, que se precipitou em divulgar uma fake news de primeira grandeza: avalizar a denúncia de que o general Mourão foi um torturador.

A denúncia fake deveu-se ao cantor Geraldo Azevedo, que disse em público, irresponsavelmente, que o general Mourão, vice de Bolsonaro, fora um de seus torturadores em 1969. O fato de o general ter apenas 16 anos na ocasião desmontou a alegação, que depois foi corrigida pelo próprio cantor.

O problema causado pela denúncia do jornal “Folha de S. Paulo” não justifica, porém, os arroubos retóricos de Bolsonaro em mensagem enviada aos manifestantes na Avenida Paulista, que revelam uma preocupante visão autoritária da relação da imprensa com o mandatário de um país.

O mesmo destempero que acomete o presidente Trump nos Estados Unidos — a quem Bolsonaro parece querer imitar —e o ex-presidente Lula. Os três líderes populistas aproveitam sua popularidade para incitar os militantes e apoiadores contra os órgãos de imprensa que os vigiam.

O papel da imprensa é justamente este, ser o vigia da sociedade. O presidente americano Thomas Jefferson entendeu que a imprensa, tal como o cão de guarda, deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar.

Os petistas assumiram postura autoritária, exigindo em discursos inflamados não apenas a anulação da eleição como a censura ao WhatsApp pelo menos até o fim do segundo turno. É inacreditável que o PT exija atitudes drásticas apenas com base em uma denúncia de jornal, sem que as autoridades abram investigações.

Até agora, os petistas desacreditavam as denúncias de jornal contra os seus e, principalmente, o ex-presidente Lula, e criticavam o que chamavam de rito sumário das decisões da Justiça na Operação Lava-Jato. Anular uma eleição é decisão gravíssima que, como destacou a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, não pode ser tomada fora do tempo da Justiça “que não é o tempo da política”.

A percepção de parte da sociedade de que seu filho não tirou da cabeça a ameaça de fechar o Supremo, mas retratou um pensamento do próprio Bolsonaro, deu ares de verdade à ideia, lastreada por pronunciamentos anteriores do candidato, igualmente destrambelhados.

O ainda candidato Bolsonaro, que acha que está com uma mão na faixa presidencial, terá que, além de fechar a boca e a de seus próximos, convencer-se de que o país não aceita um governo autoritário, nem bravatas retóricas que coloquem em risco a democracia.

Dificilmente, a diferença que separa Bolsonaro de Haddad será descontada a tempo, mas a redução da distância, que deve ser confirmada ainda nesta semana pelo Datafolha, é um aviso de que o presidente, por mais votos que tenha, não tem um cheque em branco da sociedade.

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