A vitória dos conservadores, em boa medida, é por W.O
Os conservadores derrotarão os progressistas, pois somente um erro grosseiro tiraria a vitória de Bolsonaro. Esta é a forma como Luiz Philippe de Orleans e Bragança, em artigo publicado na Folha de São Paulo, caracteriza as eleições do próximo domingo. O deputado federal eleito pelo PSL se identifica como ‘tetraneto de D. Pedro II, administrador, empresário e cientista político pela Universidade de Stanford (EUA), com pós-graduação pelo Insead (França)’. Como se sabe, o tetraneto foi cogitado para compor chapa com Bolsonaro, mas foi preterido para neutralizar possíveis tentativas de impeachment.
No passado, explica o tetraneto, os progressistas obtiveram sucessivas vitórias. “Desde 1995, com o governo FHC, que ideias progressistas vêm galgando espaço no poder público.” O recuo dos conservadores teria se intensificado, mas não iniciado, durantes os governos Lula e Dilma. Ou seja, para o príncipe conservador, FHC, Lula e Dilma seriam farinhas do mesmo saco.
“Vivemos o esgotamento da hegemonia progressista”, afirma o tetraneto. A ascensão de Bolsonaro à presidência será o fim de uma era, uma era marcada por uma “busca aflita pela justiça social”. Mas se a busca pela justiça será abandonada, o que teremos no lugar? Qual o programa dos conservadores?
Do ponto de vista eleitoral, os progressistas foram postos para correr. Nos estados do sul, sudeste e centro-oeste não há progressista com chances de vitória. Não faltam aprendizes e oportunistas prontos a se colar a Bolsonaro para chegar ao poder. Associar-se aos progressistas, ao PT ou ao PSDB, é pedir para perder.
Mas é preciso ter clareza. Os progressistas estão sendo derrotados por um time desconjuntado, mal ajambrado, reunido às pressas, sem consistência, formado por herdeiros presuntivos, artistas pornôs, jornalistas com credenciais contestadas, juízes com histórias mal contadas etc. Para os mais velhos, a referência ao Exército Brancaleone é inevitável.
O fato é: não se perde para adversário tão improvisado e fraco sem cometer erros e mais erros. Witzels, Zemas e Dórias não teriam se destacado sem o acúmulo de erros das lideranças políticas. Para ser claro: o que estamos observando é antes a derrota dos progressistas do que a vitória dos conservadores. Em boa medida, é uma vitória por W.O.
Basta lembrar que, não mais do que dois anos atrás, Bolsonaro disputou a presidência da Câmara dos Deputados e recebeu exatos quatro votos. Nem seu filho se deu ao trabalho de comparecer para sufragá-lo. Até muito pouco atrás, o capitão era um figura politica tão folclórica quanto a do Cabo Benevenuto Daciolo. Sua ascensão meteórica se deve ao vazio criado pela luta aberta entre os progressistas, ao suicídio coletivo que se esmeraram para produzir. Não fosse assim e Bolsonaro não teria crescido justamente quando parou de fazer campanha.
A chance oferecida pelo segundo turno não foi aproveitada. A briga nas hostes progressistas não parou. Como crianças, cada lado pede que o outro reconheça sua culpa, que foi que ele que começou e que, sem as necessárias desculpas, não fará as pazes. A infantilidade reinante chega a ser patética. E a briga se estendeu para o interior de cada bloco, como atestam as acusações públicas de Alckmin a Dória e as de Cid Gomes ao PT.
Já faz um bom tempo que os progressistas não se veem como integrantes de um mesmo grupo, mas seus adversários sabem bem quem estão derrotando. Como afirmou o tetraneto, sairão de cenas os que acreditam que as “leis devem ser criadas para fazer justiça social e buscar atingir a igualdade sempre que possível em todos os aspectos da sociedade.”
O príncipe está coberto de razão: foram estas as ideias mestras a ditar as políticas públicas e a ação do Estado desde a redemocratização. É contra este movimento, é contra esta direção dada às politicas que Bolsonaro se insurge.
O tetraneto, contudo, não foi capaz apresentar o programa positivo dos conservadores. O máximo que conseguiu foi afirmar sua crença na existência de uma ordem social natural: “O aprendizado para todos é que os avanços da sociedade se devem mais em função das ações da própria sociedade, e não dos mandos e desmandos da legislação.”
Sabe-se lá o que o príncipe quis dizer com isto, mas sabe-se com certeza que a ordem social nada tem de natural, que conflitos sociais não se resolvem ‘sem os mandos e desmandos da lei.’
O fato é que o discurso de Bolsonaro vai muito além deste conservadorismo edulcorado. O tetraneto lança mão de perguntas retóricas para enfrentar a questão: “Mas será que o medo dos progressistas é justificável? Veremos um retrocesso nas nossas relações sociais com os conservadores no poder?”
O príncipe acredita que os temores de retrocesso como a intolerância e o recurso à violência contra adversários seriam infundados: “O conservadorismo não é intolerante muito menos retrógrado; é simplesmente natural e evolui conforme as gerações de maneira livre.”
De novo, difícil saber o que seja evoluir de maneira livre, mas sabe-se que um dos cotados a ocupar o Ministério da Educação acredita que a evolução natural das espécies deve ser banida das escolas. Poderia haver evidência mais clara de retrocesso? Não sei se Dom Pedro leu Darwin, mas sabe-se que era um entusiasta da ciência.
O fato é que quem forma juízos a partir das informações disponíveis tem razões de sobra para temer. O líder dos conservadores está longe de ser o moderado razoável que o tetraneto procura vender. Basta lembrar que, no Roda Viva, já em campanha, Bolsonaro fez questão de registar sua idolatria ao Coronel Brilhante Ustra. Precisa mais? Há algo mais bárbaro e repugnante que a tortura?
No mundo do faz de conta, beijos de princesas castas transformam sapos horrendos em príncipes garbosos. No mundo real, não há varinha de condão que transforme feras toscas em seres civilizados. O retrocesso será inevitável.
*Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.