A campanha tem premiado candidatos que oferecem carta branca para a polícia atirar. Eles prometem reduzir a violência, mas têm tudo para aumenta-la
Rodrigo Serrano tinha 26 anos, era pai de dois filhos e trabalhava como garçom num bar em Ipanema. Numa segunda-feira de setembro, ele marcou encontro com a mulher e as crianças perto de casa, no morro do Chapéu Mangueira, no Leme. Enquanto esperava a família, foi morto com três tiros disparados por um policial militar. Segundo testemunhas, o soldado confundiu seu guarda-chuva com um fuzil.
O crime completou um mês na quarta-feira, e o atirador continua a vestir a farda como se nada tivesse acontecido. A julgar por casos semelhantes, deve continuar assim.
Em 2015, na Pavuna, um sargento da PM matou os mototaxistas Jorge Paes e Thiago Guimarães. Os dois carregavam um macaco hidráulico, que o policial pensou ser uma metralhadora. Em 2010, no Andaraí, um cabo do Bope alvejou o supervisor de supermercados Hélio Ribeiro. Ele entrou na mira ao usar uma furadeira no terraço de casa. Nos três episódios, quatro inocentes morreram e ninguém foi punido.
A campanha eleitoral tem premiado políticos que prometem dar carta branca para a polícia atirar. Candidatos que pregam o combate à violência com mais violência lideram as disputas pelo governo do Rio e pela Presidência. Eles falam em reduzir as taxas de homicídio, mas têm tudo para aumentá-las.
Líder da corrida ao Palácio Guanabara, Wilson Witzel adotou um lema de filme de faroeste: “No meu governo, bandido de fuzil será abatido”. A frase é um estímulo à política de atirar primeiro e perguntar depois. Como o gatilho continuará nos dedos dos policiais que estão aí, inocentes que saem de guarda-chuva correrão mais risco de morrer à toa. O garçom do Chapéu Mangueira carregava no bolso a carteira de trabalho, que ficou ensopada de sangue.
Na eleição presidencial, Jair Bolsonaro quer eliminar qualquer possibilidade de punição a PMs que matam sem necessidade. O capitão já detalhou a proposta, que ele chama de “excludente de ilicitude”. “Se alguns dizem que eu quero dar carta branca para policial matar, eu respondo: quero sim!”, disse, em visita a Manaus. A plateia reagiu em coro: “Mito! Mito! Mito!”.
A polícia do Rio não esperou a licença oficial para se tornar recordista de letalidade. Entre fevereiro e setembro, os agentes mataram 1.024 pessoas, de acordo com o Instituto de Segurança Pública. Isso representa um aumento de 42% em relação ao mesmo período do ano passado.
A aposta no bangue-bangue também tem elevado as mortes de policiais. Em oito meses de intervenção federal, o ISP contabilizou 74 baixas nas forças de segurança. Se as promessas eleitorais de 2018 virarem política de Estado em 2019, o número de vítimas só tende a aumentar.
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Na segunda-feira, Bolsonaro declarou que pretende liderar um país “semelhante àquele que tínhamos há 40, 50 anos”. Como dizia Millôr Fernandes, o Brasil tem um enorme passado pela frente.