General diz que não se pode derrubar uma árvore no Brasil sem que alguém venha ‘encher o saco’. Só em 2017, 14 milhões foram derrubadas
O alerta não vem de um ambientalista, mas de um dirigente de instituição financeira internacional, com quem conversei. O que o preocupa, num cenário de vitória de Jair Bolsonaro, é o absoluto desprezo pela questão ambiental e climática. Na visão dele, é obvio que a competitividade e a capacidade de financiamento do agronegócio serão maiores quanto mais pacificada for a relação com o meio ambiente. Um general da campanha de Bolsonaro reclamou que no Brasil não se pode derrubar “uma árvore sem que alguém venha encher o saco”. No ano passado, só na Amazônia e no Cerrado foram derrubadas 14 milhões de árvores.
O raciocínio do banqueiro é assim: se o produtor do Cerrado, por exemplo, quer ter água para produzir, precisará cumprir rigorosamente os limites das áreas de preservação em suas terras. Se cumprir esses limites, ele poderá ser financiado por capital externo que não aceitaria, a esta altura, emprestar para desmatadores. Esse financiamento pode ser feito a juros baixos, sem depender do subsídio estatal.
O mais lógico seria, segundo o banqueiro, que o diálogo que começava a existir entre o agronegócio e o ambientalismo fosse estimulado. Mas, na eventualidade de um governo Jair Bolsonaro, ficará mais difícil. A bancada do agronegócio que aderiu ao candidato busca respaldo para suas posições mais extremadas. E ele já disse que submeterá o assunto ao Ministério da Agricultura, acabando com a pasta do Meio Ambiente.
O general Oswaldo Ferreira, que está tocando os planos do candidato para a área de infraestrutura e de meio ambiente, lembrou ao “Estado de S. Paulo” os anos 1970, quando ele era um tenente “feliz da vida” trabalhando na BR-163. “Derrubei todas as árvores que tinha à frente, sem ninguém encher o saco. Hoje, o cara, para derrubar uma árvore, vem um punhado de gente encher o saco”.
A verdade é o contrário do que acredita o general. O Brasil derruba muita árvore, esse é o problema. No ano passado, foram 6.947 km2 de floresta desmatada na Amazônia e 7.408 km2 no Cerrado. Isso significa que o Brasil derrubou nos dois biomas algo como 14 milhões de árvores, só em 2017, segundo Tasso Azevedo, do Observatório do Clima. “E os dados de 2018 podem ser 30% maiores, como mostram as pesquisas do Imazon.”
O Brasil tem que cumprir objetivos internacionais de desmatamento líquido zero em 2023. Mesmo que o país, num governo Bolsonaro, saia do Acordo de Paris, os grandes bancos internacionais e multilaterais continuarão tendo que seguir regras de não financiar produtores vistos como desmatadores. Países podem escolher líderes que negam o problema ambiental e climático. Aconteceu nos Estados Unidos. Mas a despeito das crenças de Donald Trump, as empresas americanas continuam fazendo a transição para uma economia de baixo carbono, na agricultura, na indústria automobilística e até no setor de petróleo. É inexorável a mudança para um novo padrão sustentável, mas o estrago de curto prazo pode ser muito ruim se o país escolher voltar a visões de mundo totalmente desatualizadas. “No meu tempo”, diz o general, “não tinha MP e Ibama para encher o saco”.
O Ministério Público continuará em qualquer governo com sua independência, incomodando qualquer que seja o governo. Nesta campanha, Ciro Gomes disse que queria pôr o MP na caixinha, o ex-ministro José Dirceu disse que é preciso tirar dele o poder de investigação, e esse general da campanha de Bolsonaro sonha com a volta ao tempo em que ele não limitava o poder militar no seu ataque ao meio ambiente. Mas um governo com essa visão pode fazer um grande estrago na estrutura dos órgãos de controle do executivo, como o Ibama, Inpe, ICMBio.
O governo Dilma, como escrevi neste espaço várias vezes, passou por cima do Ibama e reduziu áreas de preservação. O governo Temer diminuiu o tamanho da preciosa Floresta de Jamanxin no Pará. Um governo com posições radicais pode ser bem pior. Enfrentará resistência, contudo, principalmente das instituições científicas independentes que produzem dados para qualificar o debate brasileiro. Além disso, o Brasil poderá perder bons negócios. Meio ambiente há muito tempo deixou de ser questão ideológica. A tentativa de volta no tempo será um tiro no pé. E quem me disse isso, repito, foi um banqueiro.