É preciso lutar por uma frente democrática
“Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível”. Rui Barbosa (1849-1923) pronunciou essas palavras em Buenos Aires (1916) no contexto da Primeira Guerra Mundial. Neutralidade, explicava, “não quer dizer impassibilidade: quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça”.
A clareza da distinção pode ajudar-nos a enfrentar o dilema eleitoral na definição do dicionário: situação embaraçosa com duas saídas difíceis ou penosas. Vejamos em concreto se há diferença entre essas saídas.
Não há lugar, creio, para imparcialidade entre quem quer retirar o Brasil do Acordo de Paris sobre clima e quem deseja honrá-lo. Tampouco sou imparcial entre quem defende a proteção dos ecossistemas tal como prescrito na lei e os que atacam suposta indústria de multas do Ibama contra desmatadores ilegais.
Os mesmos que tencionam suprimir o Ministério do Meio Ambiente e subordiná-lo ao da Agricultura em ótica meramente produtivista, sem olhar as consequências de devastação ambiental e da concentração de renda.
Entre os defensores da Constituição, da democracia liberal, da tolerância, da diversidade, da civilidade na vida política e seus detratores, escolho sem hesitar os primeiros. Coloco-me ao lado dos promotores dos direitos humanos, da prioridade de combater a desigualdade, suprimir a miséria; sou contra os críticos de tais posições.
Prefiro diplomacia que preserve o papel construtivo do Brasil como fator de moderação e equilíbrio no continente e no mundo aos que advogam atitudes que nos isolariam da maioria da humanidade.
Um exemplo é a intenção de Bolsonaro de transferir a Jerusalém nossa embaixada em Israel na ausência de acordo com todos os interessados. Isso nos relegaria a situação ridícula, abaixo do Paraguai, que teve o bom senso de recuar dessa tresloucada ideia.
Entre valores e contravalores não tenho o direito de ser neutro. Darei meu voto ao candidato que encarnar valores absolutos e inegociáveis como os mencionados acima.
Dito isso, penso que o dever dos neutros é ir além do voto e lutar por uma frente democrática que una o mais amplo espectro de opinião possível.
Concordo com os pontos levantados por Celso Rocha de Barros no artigo publicado por esta Folha na última segunda-feira (8). Por definição, uma aliança não deve refletir hegemonia de nenhum partido. Tem de acolher a exigência popular de combate à corrupção, ajuste fiscal, responsabilidade no uso de recursos escassos –o que falta no programa do PT, além da autocrítica.
Não se vai ganhar só com o PT e a esquerda. Reconhecer esse fato obriga a ter um programa de mínimo denominador comum que conquiste os moderados.
E, no caso de difícil vitória, dê garantia a todos de que se terá um governo não sectário, pacificador e unificador da sociedade brasileira.
*Rubens Ricupero, diplomata, ex-embaixador do Brasil em Washington (1991-1993) e Roma (1995); ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda (1993-1994 e 1994, governo Itamar)