Ambos planos econômicos sofrem da mesma carência: não há conteúdo, não há diretriz, não há clareza
Cerca de 24 horas depois da apuração que deu a Jair Bolsonaro e Fernando Haddad a certeza de que haverão de se enfrentar no segundo turno das eleições, ambos falaram ao Jornal Nacional. Indagados sobre as ideias ventiladas durante a campanha de reescrever a Constituição que acaba de completar 30 anos, ambos afirmaram ter mudado de ideia. Pressionados sobre seus programas econômicos, os candidatos tergiversaram. Falaram por alto em reforma tributária, privatizações, e teto de gastos. Contudo não deram nenhuma indicação do que de fato pretendem fazer.
Mais cedo, o candidato Jair Bolsonaro havia postado vídeo nas redes sociais onde ao seu lado estava o assessor econômico Paulo Guedes. Guedes não disse palavra, enquanto Bolsonaro expôs sem deixar dúvidas que os planos de privatização antes anunciados por seu guru da economia seriam bem mais modestos do que este antecipara em entrevistas e sabatinas para emissoras de TV antes do sumiço e silêncio que precederam as semanas antes do primeiro turno. Referindo-se aos planos de privatização, disse Bolsonaro que empresas “estratégicas” como Banco do Brasil, Eletrobrás, Caixa Econômica Federal, e Petrobrás não seriam vendidas.
Dentre essa lista a única empresa realmente “estratégica” é a Petrobrás, que ainda mantém o monopólio em algumas operações. Privatizar monopólios nunca é uma boa ideia, mas não parece ser a isso que Bolsonaro se referia.
Em relação ao ajuste fiscal imediato, na ausência de cortes de gastos, não há muita alternativa que a de aumentar impostos. Bolsonaro, entretanto, rechaçou a ideia de Paulo Guedes de recriar a CPMF e nada sugeriu como alternativa. Falou sobre isentar indivíduos com renda até cinco salários mínimos do imposto de renda – assim como fez Haddad – e afirmou que adotaria alíquota única para outras faixas de renda de 20%. Ou seja, prometeu reduzir impostos diante de situação calamitosa para as contas públicas brasileiras. Mas mercados insistem em não enxergar o populismo implícito.
A questão da nova carteira de trabalho verde e amarela proposta por Bolsonaro tampouco está bem detalhada e não há nenhuma avaliação sobre se estaria ou não em consonância com a isonomia do trabalhador garantida pela Constituição. Por fim, prometeu o candidato reduzir o número de ministérios substancialmente sem levar em conta as restrições que isso imporia à construção de uma coalizão estável. Com a maior fragmentação do Congresso, cargos públicos serão ainda mais necessários para a formulação de coalizões – é triste, mas é a realidade brasileira. Falar em redução de ministérios nessas circunstâncias é demagogia pura que muitos insistem em não enxergar. Provavelmente será a primeira promessa a ser abandonada por um eventual presidente Bolsonaro.
Do lado de Fernando Haddad há, como no campo de Bolsonaro, muita fumaça e pouquíssima substância. O candidato fala em simplificar tributos com a introdução do imposto sobre o valor adicionado, mas não dá detalhes sobre como isso será feito. Fala em tributar dividendos, o que considero uma boa ideia diante da regressividade da estrutura tributária brasileira, mas não diz nada sobre alíquotas. Diz que vai revogar o teto dos gastos – já escrevi sobre os problemas do teto atual nesse espaço –, mas não diz o que vai colocar em seu lugar. Embora o atual teto tenha vários defeitos, é necessário que tenhamos mecanismos de controle das despesas, ou seja, é preciso ter algum tipo de teto, com formulação melhor do que a atual.
Haddad também afirma que fará uma reforma bancária sem dar detalhes, mas que de princípio soa bastante intervencionista. Tudo o que não precisamos é de mais intervencionismo. Promete que vai revogar a reforma trabalhista de Temer, mas não diz se fará outra melhor. Insiste no duplo mandato para o Banco Central, o que não seria uma má ideia a princípio salvo pelo fato de Dilma ter tentado instituí-lo na marra, o que acabou não funcionando. Por fim, não há clareza alguma sobre o que pretende na área da reforma da Previdência.
O balanço geral dos planos dos candidatos, portanto, é que ambos sofrem da mesma carência: não há conteúdo, não há diretriz, não há clareza. Enquanto mercados surtam de euforia com a fantasia que criaram sobre Bolsonaro, corremos o risco de não saber nada do que pretendem ambos os candidatos para colocar nos eixos a economia. Isso é grave.
* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University