Escrevo antes do primeiro turno. Minha estimada bola de cristal sempre apresenta falhas, mas as sondagens indicam que Bolsonaro e Haddad se enfrentarão no turno decisivo. Nessa hipótese provável, a combinação da implosão do PSDB com a prevalência do antilulismo poderia condenar a nação a um governo de moralistas depravados. Tudo depende do que Haddad fará com a máscara de Lula que, até aqui, cobriu seu rosto.
A pesquisa Datafolha divulgada em 3 de outubro traz uma informação periférica que ajuda a decifrar o cenário do segundo turno. Cerca de 60% dos entrevistados opinam que Lula deve seguir condenado, na cadeia (51%) ou em prisão domiciliar (8%). O antilulismo emerge como fator crucial, provocando uma convergência eleitoral em torno de Bolsonaro. A estratégia de campanha de Haddad, apropriada a uma candidatura de protesto, uma espécie de anticandidatura consagrada a reagrupar um partido desmoralizado, não atende ao objetivo de persuadir a maioria. No turno final, o candidato petista precisa descobrir sua face, abandonando a máscara da derrota.
Bolsonaro promete reformar a economia, do jeito dele — ou melhor, de acordo com a utopia regressiva de Paulo Guedes. Seria fácil mostrar que seu programa ultraliberal não é aplicável a uma democracia de massas — se a alternativa petista não fosse o retorno à política econômica responsável pelo colapso fiscal de 2014. Mas, seguindo o figurino desenhado pelo PT, Haddad insiste no negacionismo econômico. Segundo ele, Dilma Rousseff só errou ao patrocinar o giro ortodoxo conduzido por Joaquim Levy. “Escolham entre mim e o destino da Venezuela (ou do Rio de Janeiro)” — o desafio implícito de Bolsonaro cala fundo no amplo espectro de eleitores que recusam o revisionismo histórico lulopetista.
Bolsonaro ergue o conveniente estandarte da Lava-Jato, restaurando a célebre vassourinha de Jânio Quadros, e encontra influentes “companheiros de viagem” no Judiciário e no Ministério Público. Haddad, por seu lado, repete o mantra sectário do PT, que exibe as condenações de Lula, Dirceu, Palocci e dos tesoureiros petistas como uma conspiração geral de juízes contra o partido. O negacionismo ético corta o diálogo do candidato com a vasta parcela do eleitorado que não crê em bruxas. Haddad pode, legitimamente, defender a inocência de Lula no processo específico em que foi condenado. Mas, sem reconhecer as responsabilidades políticas do lulismo nos escândalos do “mensalão” e do “petrolão”, entrega a tocha da mudança aos incendiários bolsonaristas.
Bandos de bolsonaristas fantasiados de amarelo promovem atos de protesto contra a “mídia vermelha”. Bandos de petistas fantasiados de vermelho gritam palavras de ordem contra a “mídia golpista”. No coreto do ódio à imprensa, encontram-se Trump, Bolsonaro, Lula e Maduro. A confluência tem efeitos anestésicos sobre o eleitorado que ainda se mantém fiel ao princípio da liberdade de imprensa. Haddad não se distinguirá de Bolsonaro no campo das liberdades públicas se não romper com o discurso petista do “controle social da mídia”.
Bolsonaro, Mourão et caterva choram a perda da ditadura militar, um tempo mítico de ordem e progresso. O lulismo jura fidelidade eterna à ditadura de Maduro e aplaude a sangrenta repressão de Ortega. O que é mais asqueroso, a nostalgia da “nossa” ditadura pretérita ou a solidariedade aos acuados ditadores latino-americanos do presente? Haddad não conseguirá empunhar a bandeira da democracia contra o autoritarismo bolsonarista sem romper, nitidamente, com os artigos de fé autoritários do lulismo.
A máscara de Lula é um valioso passaporte eleitoral, se a ambição consiste, apenas, em alcançar o segundo turno. O lulismo, porém, não é majoritário. A rejeição ao lulismo está ancorada na experiência histórica, mais que no preconceito. Já a rejeição a Bolsonaro deita raízes em material um tanto etéreo, formado por valores, princípios e visões de mundo. Para triunfar, Haddad precisa exibir a face que, até hoje, ocultou atrás da máscara — e esforçar-se em provar aos eleitores que uma é diferente da outra.